Pós-pandemia – 123 propostas para a governação

Se Portugal souber tudo isto e os portugueses não usarem só a palavra Estado para responderem ao futuro, abriremos o quarto tempo de uma digna presença neste pequeno mundo.

O Conselho de Ministros aprovou, na passada quinta-feira, as medidas de curtíssimo prazo para uma resposta à crise provocada pela covid-19. Vencida esta etapa, importa olhar o país com outro alcance.

Há uma forma simples de fazer a discussão sobre o nosso futuro coletivo – debater a espuma dos dias. Mas o tempo exige outra responsabilidade, há um dever que todos devemos assumir – contribuir com a nossa história de vida, os nossos conhecimentos e o nosso entendimento para que Portugal não perca esta oportunidade.

Temos nove séculos de História, mas poucas décadas de visão estratégica. Duas com Afonso Henriques, duas com D. João II e duas com Mário Soares. O nascimento, os mares e a Europa.

Olhemos para o que nos diferenciou e diferencia nestes últimos anos. Derrotámos uma grave crise económica, somos uma das dez democracias mais completas, estamos entre os melhores em segurança, vencemos a pandemia com uma capacidade que deve ser declarada, orgulhosamente assumida. Portugal deve comportar um plano de afirmação externa baseado nestes fatores (1).

Perante a circunstância não podemos perder a confiança externa e interna. É por isso que devemos garantir um “acordo de sociedade” que afiance estabilidade fiscal e estabilidade salarial (2). Mas também importa uma outra visão, nesta nova Europa onde alemães e franceses desejam um grande plano de fomento porque sabem o quanto os beneficia o mercado integrado. É por isso que Portugal deve ser um satélite nas opções hard germânicas e nas determinações soft francesas, construindo elos nas cadeias de valor das novas apostas destas economias (3). E para que nos libertemos dos atavios de sempre, interessa apoiar o risco (4) e vencer na autonomia de empreender que não dependa do Estado (5). Também importa que não se entre numa visão esclavagista do teletrabalho e que este seja regulado e compatível com o ser gregário que o Homem sempre foi (6).

O Estado carece de conserto em muitos setores. Este tempo diz-nos o muito que há a melhorar no Sistema Nacional de Saúde. Transferir cuidados de saúde primários para os municípios (6); criar uma verdadeira rede de saúde pública nacional (7); conceder autonomia ampla aos estabelecimentos hospitalares (8); implodir a visão minifundiária da estrutura do ministério (9); criar a individual conta-corrente de saúde (10); modernizar as escolas médicas (11); refundar a ADSE (12); extinguir o SUCH (13); ampliar a oferta de cuidados de saúde no mercado internacional (14); compatibilizar as ofertas elásticas entre público e privado (15).

Na educação interessa reforçar a modernização do parque (16); concretizar a infraestrutura digital em conjunto com a disponibilidade de hardware e software existente na produção nacional (17); rever o estatuto da carreira docente (18); revisitar a tipologia do ensino formal (19); alterar profundamente o ensino profissional dando-lhe dignidade (21); generalizar as creches (22); contemplar a escolaridade obrigatória até ao 1.º ciclo do ensino superior (23).

Promover a integração dos sistemas da segurança social e fiscal (24); integrar a informática da Segurança Social com a das Finanças (25); articular o IGFSS, o IGFCSS e o IGCP (26); rever o regime geral dos subsídios e apoios e criar a conta família (27); modernizar e investir na rede de apoio social (28); concretizar a rede de cuidados continuados (29); e garantir um programa que responda à exclusão digital (30) são os elos em ponderação da política social. 

Foto
António Costa na apresentação do novo Plano de Estabilização Económica e Social MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

A capacitação do território é central. Garantir, em dez anos, a criação de uma dezena de cidades com cem mil habitantes nos territórios interiores (31); rever a estrutura de NUT’s e adequá-las à realidade social e económica (32); tratar as áreas metropolitanas em autonomia dos territórios de influência (33). Olhar para o país da ferrovia e garantir, numa década, a modernização dos principais corredores ferroviários (33); refazer a rede de estradas em toda fronteira terrestre (34); conectar as sedes de concelho à rede rodoviária primária (35); penalizar a entrada rodoviária nas cidades (36); desenvolver a opção metropolitana das duas redes de Metro (37). Compatibilizar a RAN, REN, Rede Natura e Ordenamento das áreas protegidas (38); compartimentar e gerir o território florestal (39); salvaguardar o litoral português na sua relação com o Homem (40).

Resolver o grave problema da existência de matérias e mecanismos perigosos nos edifícios públicos (41) e autorizar a exploração mineira na perspetiva da transição energética (42); convencionar a nossa visão de país autossustentável na energia e a compatibilização da produção “verde” com o uso do gás natural (43); reduzir em um terço o consumo (44); reformar as redes de distribuição (45); eliminar da fatura os CIEG (46); fortalecer os mercados do sul da Europa e garantir interligações (47). Desenvolver uma política da água única (48); reavaliar e qualificar os apoios de Estado ao regadio (49); assumir a obrigação de sistemas de drenagem modernos e segregados (50); promover um plano de transvases (51); projetar centrais de dessalinização (52); modernizar a rede de tratamento, valorização e aproveitamento de resíduos (53).  

Olhar a habitação permutando já as prioridades. Um grande programa nacional para a habitação digna (54); um programa específico para as grandes cidades destinado à habitação a custos contidos (55); refazer as regras de construção e edificação e alinhando-as com as opções para os universos da energia, água e jardins suspensos (56).

Considerar o agroalimentar como fundamental através de acordos-quadro plurianuais, em todos os setores, entre produção, indústria e comércio (57); Recuperar o prestígio do trabalho da terra e do ensino agrário (58); lançar um plano de produção para autoabastecimento e ocupação das terras (59); reformatar os apoios ao setor pecuário (60); reinventar a política e os apoios das iniciativas locais (61); incrementar a alta tecnologia na produção (62); garantir redes de logística e de frio (63); interligar a exportação com a importação para redução de custos (64); implodir o arcaico sistema de subsídios e a sua vertente ociosa (65); assumir a prioridade da agricultura de montanha (66); reconfigurar o setor vitivinícola e afirmá-lo internacionalmente (67); construir um novo regime de seguro de colheitas (68); dar uma nova dimensão institucional ao Crédito Agrícola (69). 

Assumir uma política económica sem complexos onde ganhar dinheiro e obter lucro sejam parceiros da criação de emprego de qualidade. Determinar a intervenção estratégica do Estado, enquanto agente garante dos interesses coletivos, nas empresas TAP, EDP, REN, CTT e ANA e reestruturar a Parpública SA (70); potenciar a criação de novas instituições financeiras privadas de preferência com investidores portugueses (71); afirmar o bullying aos offshores (72); construir, no universo da CGD, o banco de fomento (73); reformar os instrumentos de garantia (74); criar uma entidade de seguro de crédito pública (75); potenciar os incentivos para o investimento estrangeiro (76); concretizar o programa de “reversão” das importações (77); reduzir a quatro o número de instrumentos de apoio – inovação; internacionalização; capitalização; localização territorial (78); lançar, no imediato, linhas, com garantia de Estado, para a cobertura do factoring com o próprio Estado (79); valorizar os ativos ociosos decorrentes das insolvências (80); criar o programa de rejuvenescimento do comércio de proximidade (81); descentralizar as compras públicas (82); reformatar e simplificar a gestão dos fundos europeus e garantir a sua monitorização pública (83); reformar o Fundo Azul (84); introduzir ganhos de competitividade na relação com os portos espanhóis (85);  alienar e gerir o património público de forma empresarial (86); rever o código dos contratos públicos (87); lançar um programa de captação e integração laboral da imigração (88).

Reformatar o ensino superior no sentido da sua adequação à realidade produtiva e desterritorializar as universidades (89); compelir à compatibilização do estudo com o trabalho dos estudantes do ensino superior (90); determinar o programa 30/30/30 – 30% das unidades dos cursos são em prestação autónoma; 30% das unidades são concedidas obrigatoriamente em inglês; 30% dos alunos são obrigatoriamente estrangeiros – para as instituições do ensino superior (91); criar a penetrabilidade da gestão nos cursos de humanidades e de ciências sociais nos cursos de ciências exatas (92).

Assumir as redes móveis com uma cobertura total e decente do país (93); ampliar as redes de fibra-ótica e interligar a rede dedicada da ciência com as empresas (94); determinar os territórios de wi-fi free (95); tributar fortemente os “parasitas” de dados e conteúdos (96); fazer incidir a Contribuição do Audiovisual sobre o universo das comunicações (97); promover o mercado de produtos informáticos e digitais nacionais que possa competir no mercado global pelo “negócio” da transformação digital (98).

Os setores do turismo e da cultura são centrais para o futuro do país. Porque somos únicos, porque servimos um produto exemplar. Para este setor importa consagrar uma grande, urgente e prolongada campanha de promoção interna e externa (99); um acordo de médio prazo para a sustentação das empresas e dos recursos humanos qualificados (100); a reformatação da produção cultural de forma a não perdermos valor neste importante setor (101); o investimento no património, nas redes e nos públicos impondo uma programação conjunta dos mecenas, dos diferentes serviços e ministérios, com os seus orçamentos próprios, e das autarquias (102);  

Organizar as administrações públicas de forma a que tenham todas a mesma base territorial de resposta (103); obrigar a que a criação das “redundâncias” dos diversos ministérios e serviços sejam sempre na rede de cidades-ancora (104); construir os próximos programas operacionais, financiados pela UE, fora de Lisboa e das sedes das CCDR para os fazer agregar a universidades e politécnicos (105); agrupar o IAPMEI com o IFAP (106); reformar a Agência Nacional de Inovação, a Missão Portugal Inovação e o Fundo de Inovação Social (107); garantir a redundância da Torre do Tombo, Biblioteca Nacional e Cinemateca Nacional em território “seguro” (108); atribuir à AICEP a representação externa do INPI e a salvaguarda da nossa propriedade industrial (109); garantir um grande programa de sustentação e capacitação do associativismo por agregação, reforço da massa crítica e da capilaridade (110).

Construir a prestação do serviço público, por parte dos servidores, em tempo parcial e em horários divergentes (111); rejuvenescer as administrações reduzindo em cinco anos, e no espaço temporal de uma década, a idade média dos servidores públicos (112); consagrar um forte programa financeiro, a vinte anos, de agregação de municípios (113); reformatar com as novas NUT’s, os círculos eleitorais e reduzir o número de deputados (114); rever o regime de eleição para as autarquias locais e os sistemas nacionais de solidariedade financeira com as RA’s (115); capacitar as forças armadas e as forças de segurança para as novas ameaças (116); refazer o dispositivo policial (117); investir na atração de recursos para os exércitos de terra, mar e ar (118); fundir reguladores e determinar a supervisão financeira (119); fazer transitar para os municípios as conservatórias no âmbito dos registos civil, predial, empresarial e automóvel (120); agregar a cibersegurança, a proteção de dados e o acesso aos documentos públicos na mesma entidade (121); determinar o pagamento de rendas dos edifícios e das redes usados pelos serviços públicos e por parte dos orçamentos destes (122); ser implacável com a corrupção que sempre se amplia nos tempos difíceis (123).

Perante a circunstância que vivemos, os portugueses devem ter presente que a globalização não vai abrandar; que a China não vai deixar de saber como gerir todas as dimensões geopolíticas em que hoje vivemos; que os EUA não vão deixar de desenvolver a sua política com base numa tensão triangular com a Rússia (histórica e simbólica) e com a China (económica e militar); que o mundo aberto não vai fechar e o transito aéreo vai ampliar-se; que a conectividade é hoje universal; que o crime deixou de ser convencional; que a Europa precisa de investimento em inteligência, em tecnologia, em energia, em recursos hídricos e de uma visão.

Se Portugal souber tudo isto e os portugueses não usarem só a palavra Estado para responderem ao futuro, abriremos o quarto tempo de uma digna presença neste pequeno mundo.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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