Equidade: um país mais justo é melhor para todos

A desigualdade é uma questão que nos deve preocupar não apenas pelo drama humano que acarreta, mas também porque uma sociedade mais equilibrada é do interesse de todos.

Não obstante o crescimento económico generalizado, a desigualdade tem vindo consistentemente a crescer ao longo das últimas décadas, acentuando o fosso entre ricos e pobres, estando mesmo no nível mais alto dos últimos 30 anos, nos 38 países que constituem a OCDE.

Se considerarmos a célebre lógica de que “apenas aquilo que é medido importa”, compreendemos que ter o Produto Interno Bruto (PIB) como principal indicador de verificação do desenvolvimento e de comparação entre países, não é um detalhe, mas uma doutrina - outrora promissora, mas que qualquer visão informada e honesta reconhecerá estar ultrapassada. Efectivamente, ao comparar a produção de um país no seu todo, o PIB é alheio à distribuição da riqueza, à melhoria da qualidade de vida da população e mesmo à eficiência dos processos produtivos (sendo negligenciadas as externalidades ambientais, tais como a extracção e a poluição), motivo pelo qual o índice vem sendo contestado, havendo quem proponha uma nova bitola global, capaz de acomodar aquilo que realmente importa.

Segundo o relatório da OCDE, In It Together: Why Less Inequality Benefits All o foco habitual nos extremos, entre os 1% mais ricos e os 10% mais pobres, também se apresenta como desactualizado, tendo passado a merecer preocupação os 40% da população com menos recursos, que têm vindo a ver o seu rendimento reduzir. O risco de se ficar pobre deixou de ser um problema dos mais velhos, para passar a atingir os mais novos, dificultando a sua autonomia e potenciando uma entrada na vida adulta pouco promissora.

Há muito que sabemos que baixo estatuto socioeconómico é um dos preditores mais fortes, de enfermidade e de morte prematura. É também amplo o conhecimento no que toca à menor mobilidade social, o que alimenta uma pobreza cíclica, que passa de geração em geração. Uma criança nascida numa família pobre está sujeita a condições precárias no que toca à deficiente alimentação, instrução, cuidados de saúde, habitação; e tende a desenvolver menores aptidões sociais e a perpetuar uma rede social frágil, o que condiciona o seu futuro, tornando a pobreza persistente. Também ao longo da vida, um indivíduo que quebra a sua ligação com o sistema de educação irá ser vulnerável a empregos precários e ao desemprego de longa duração, tendo pouca probabilidade de quebrar esse ciclo.

Quando não existam mecanismos capazes de contrariar esta tendência, a pobreza perpetua-se e a desigualdade acentua-se; a dependência face ao Estado mantém-se, bem como as externalidades associadas à exclusão social, sobrecarregando-nos a todos. Acresce que altos índices de desigualdade provocam uma quebra na expectativa dos indivíduos de obter melhores condições de vida, tornando-os pouco produtivos no trabalho e condicionando-os a aceitar condições precárias, alimentando um ciclo. Uma educação deficiente resulta ainda num dramático desperdício de capital humano e sem um capital humano rico e desenvolvido, existe uma quebra de desenvolvimento nos países.

A desigualdade está ainda associada a passividade, a menores índices de confiança e de felicidade e a um desempenho notoriamente pior em inúmeros outros índices, tais como esperança média de vida, saúde mental (onde se inclui a droga e o alcoolismo), gravidez na adolescência, obesidade, baixa literacia, mortalidade infantil, crime e penitência. Surpreendentemente, este pior desempenho não atinge apenas as classes mais desfavorecidas; ainda que de forma menos acentuada à medida que se ascende na classe social, este é transversal, atingindo a sociedade no seu conjunto. É, portanto, uma questão que nos deve preocupar não apenas pelo drama humano que acarreta, mas também porque uma sociedade mais equilibrada é do interesse de todos.

No seu TED talk “Como a desigualdade económica prejudica as sociedades”, Richard Wilkinson, autor do livro The Spirit Level, faz notar que, pelo contrário, não é possível fazer qualquer correlação entre menor riqueza (leia-se PIB) e pior desempenho de um país, quando atingindo o patamar de riqueza mínimo. Por sua vez, George Monbiot, autor do livro How did we get into this mess?, faz um resumo da história neste seu interessante artigo publicado no The Guardian e diz que está na hora de começarmos a tratar uma doutrina, que nos habituámos a ver como “normalidade”, pelo seu nome.

Porquê este assunto agora? Antes de mais porque a degradação ambiental anda de mãos dadas com a injustiça social – sendo ambas intoleráveis. Depois, porque se as fases de progresso económico promovem a desigualdade, as crises não apenas a expõem (como bem temos assistido), como fazem acentuar o fosso entre ricos e pobres, mesmo depois de ultrapassadas.

Também, porque numa altura em que a sociedade parece finalmente disposta a equacionar os seus modelos de desenvolvimento e em que a o drama das classes pobres na luta desigual contra a pandemia nos entra diariamente pela casa adentro, a equidade deve ser sublinhada como parte de um mesmo pacote de medidas. Até porque não faltam estudos que asseguram que a transição energética trará mais emprego e melhor distribuição da riqueza.

Finalmente, porque desde a morte de George Floyd que os EUA se encontram a ferro e fogo, lembrando-nos que sociedades profundamente desiguais são, também, palco de uma democracia mais frágil (quando exista) – não apenas pela pior educação de uma vasta parte da população, mas também porque os cidadãos, sentindo-se abandonados por um Estado Social ineficaz, deixam de reinvidicar de forma construtiva os seus direitos e abandonam a sociedade. Desinteressados e incapazes de acompanhar informação credível, pela descrença e exaustão das suas vidas mas até por lhes ser economicamente inviável, as classes baixas tornam-se presas fáceis de populismos e mesmo dos sistemas que as prejudicam, contribuindo para fragilizar um sistema político que não estando isento de falhas continua a ser o melhor até hoje inventado.

Na palestra em que Wilkinson diz à sua plateia “if you want to live the americam dream, go to Danmark”, os EUA surgem, em consequência da evaporação da sua classe média, como o segundo país mais desigual a seguir a Singapura (onde é parco o debate político e os protestos não são tolerados) de entre os 23 analisados. Espante-se (ou não), logo a seguir aos EUA, vem Portugal.

E porque a desigualdade é tão antiga quanto a humanidade termino com um pequeno texto com centenas de anos: Ao perguntarem a Tucídides “Quando é que chegará a Atenas a Justiça?”; ele replicou “A justiça chegará a Atenas quando os que não são vítimas se sentirem tão indignados como aqueles que o são”.

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