Os trabalhadores independentes não podem ser párias

O Governo, que a cada semana que passa vai ajustando os seus programas de apoio a trabalhadores e empresas em função das necessidades, não pode deixar os trabalhadores independentes para trás.

No debate que aprovou a renovação do estado de emergência, o primeiro-ministro deixou no ar um apelo raro num discurso político geralmente avesso a emoções: “Todos têm de se ajudar uns aos outros”, disse António Costa. Está na hora de lembrar esse apelo pedindo que seja aplicado aos portugueses que trabalham no regime de recibos verdes. O que está previsto para os salvar na hecatombe económica que os atinge como a muitas centenas de milhares de portugueses é claramente injusto e remete-os para a impensável categoria de cidadãos de segunda categoria: terão direito a apoios até um máximo de 438 euros por mês durante meio ano e só no caso de a sua actividade ficar completamente suspensa. Se por acaso conseguirem fazer trabalhos esporádicos, mesmo que de muito baixo valor, perdem este direito. O que é absurdo, porque os convida a desistir de criar riqueza: e inaceitável, porque os condena a viver na pobreza.

A escassa atenção que o país concede a esta classe de trabalhadores, uns 16% do total, de acordo com as estatísticas da Pordata para 2018, diz muito do país que somos e do modelo de sociedade que construímos. Muitos desses trabalhadores estão nesse estatuto de independente por dificuldade em conseguirem lugares no quadro das empresas. Outros emitem recibos verdes porque são empreendedores e preferem o risco da sua liberdade e a oportunidade de abrir mercados a optar por vínculos estáveis com rendimentos previsíveis. Uns e outros, porém, são trabalhadores com os mesmos méritos de todos os trabalhadores. Vivem as suas vidas, geram riqueza, pagam os seus impostos. Infelizmente para eles, porém, não têm a protecção dos sindicatos e os partidos mais à esquerda olham para a sua condição como o pastor para ovelhas tresmalhadas – justiça seja feita, a nova líder da CGTP foi uma excepção. Talvez isso ajude a explicar a desprotecção a que estão a ser votados, que inclui até a impossibilidade de beneficiarem da moratória aos empréstimos para compra de casa.

Boa parte da capacidade do país sair desta crise vai resultar de noções de ética, de responsabilidade, de partilha e de justiça. Não será tolerável que quem fica sem trabalho seja deixado à sua sorte, como não será admissível que haja portugueses como os trabalhadores independentes sejam deixados para trás. O Governo que a cada semana que passa vai ajustando os seus programas de apoio a trabalhadores e empresas em função das necessidades, não os pode deixar para trás. Tem de lhes garantir o rendimento básico que aprovou e permitir que consigam gerar receitas do seu trabalho até um determinado valor. Todos ganham com isso: os independentes, as receitas públicas e essencialmente a noção de que, como sociedade, “todos têm de se ajudar uns aos outros”.

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