Escola só no computador dos pais é insustentável. Alunos têm de usar papel

No 3.º período escolar, os alunos têm de trabalhar mais em papel e os trabalhos não podem depender 100% dos computadores e das plataformas digitais. Caso contrário, os pais não conseguem trabalhar.

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Um leitor do PÚBLICO protestou contra “umas larachas escolares” que filósofos e professores de Filosofia disseram sobre a pandemia da covid-19 e propôs uma alternativa: “Vão ler o texto que o Carrilho escreveu, ‘A China de quarentena, já!’, aquilo, sim, é filosofia: aprende-se e pensa-se.”

Caí na armadilha. “Aquilo” poderá ser filosofia, isso não sei, mas percebe-se por que razão Carrilho caiu no esquecimento.

De Donald Trump não espanta ouvir falar do “vírus chinês”. De um homem que foi ministro da Cultura num país democrático, embaixador junto da UNESCO, que leu e viajou, espera-se mais.

A sua proposta para a pandemia? “Pôr a China de quarentena até se ter a absoluta garantia de que estes focos epidémicos foram eliminados ou estão completamente controlados.”

Não vou defender a China. Tirando Kim Jong-un, quem é que elogia os métodos chineses, na pandemia ou no resto? “Quase ninguém fala” sobre como a China começou por esconder o SARS-CoV-2, diz Carrilho. Carrilho não lê jornais? “É extraordinário”, acrescenta, que os alertas iniciais “tenham sido ignorados”. Carrilho vive em que mundo? A Humanidade tornou-se pura? “Há uma causa do inferno”, a China, “que podia ter sido evitada”. O mundo passou a ser simples? Olha-se para o lado e Viriato Soromenho-Marques escreve no Diário de Notícias que 75% das doenças infecciosas emergentes são de origem zoonótica, i.e., transmitidas por animais. Num paper académico li que “há mais de dez mil anos que as doenças zoonóticas são uma preocupação da Humanidade”.

Para alguns, filosofar talvez seja ter certezas sobre coisas em relação às quais a ciência duvida e a geopolítica analisa. Mas aprende-se mais a pensar sobre os efeitos do assalto da China aos cargos internacionais e de como, com a “retirada” dos EUA, dirige a Organização da ONU para a Alimentação e a Agricultura (Qu Dongyu), a Organização da ONU para o Desenvolvimento Industrial (Li Yong), a União Internacional das Telecomunicações (Houlin Zhao), a Organização Internacional da Aviação Civil (Fang Liu), para além de posições de alto nível no Banco Mundial e na Interpol.

Mais do que o epicentro da pandemia, Carrilho procura o epicentro da moral. O mal é um e vem dali. Os chineses são os “principais adversários no decisivo combate da Humanidade pelo seu futuro”, diz. Em vez do “espanto” (“é devido ao espanto que os seres humanos começaram a filosofar”, diz Aristóteles em Metafísica), Carrilho procura o epicentro da culpa. Já ouvimos isso sobre outros países e até sobre nós.

Peço desculpa por demorar a chegar ao tema do título: o que fazer com o 3.º período escolar? A pergunta vem com um pedido: realismo. O 3º período tem de ajudar os alunos a aprender e a pensar (como pede o fã de Carrilho). Mas tem de deixar os pais trabalharem.

Em Portugal há quase dois milhões de casas onde vivem pais e filhos. A quarentena está a ser vivida de forma diferente nessas casas, mas já percebemos uma coisa: os alunos têm de trabalhar mais em papel e os trabalhos não podem depender 100% dos computadores e das plataformas digitais.

Pode falar-se do mal que faz estar demasiadas horas a olhar para ecrãs ou da dificuldade em ser-se pai-professor-trabalhador sem interrupção. Mas falemos só da questão prática.

Um 3.º período só centrado nos computadores é um problema para as casas sem computadores e sem wireless, mas também para as casas onde há essas duas coisas.

A Escola Virtual é onde? No computador dos pais. Os vídeos dos professores estão onde? No computador dos pais. As fichas do Google Drive estão onde? No computador dos pais. Os trabalhos são submetidos como? No computador dos pais. As correcções estão onde? No computador dos pais. O Zoom para ver a aula está onde? No computador dos pais. A reunião ao vivo da turma é onde? No computador dos pais. Para não falar da aula de teatro, viola, ioga e ginástica, e de tudo o que tem sido proposto com a melhor das intenções aos nossos filhos, mas que acaba no mesmo lugar: o computador dos pais. Qual é o problema? O teletrabalho dos pais é feito nesse computador.

Há quem tenha um computador por filho. Mas é a regra? As crianças do 1.º e 2.º ciclos têm computador pessoal? E mesmo as do 3.º? Ou vão de vez em quando ao Moodle nos smartphones, os que os têm?

Após 15 dias a fazer malabarismos para partilhar computadores e redes de internet doméstica que não aguentam tanta gente online durante tantas horas, as escolas têm de conseguir, para o 3.º período, um equilíbrio entre as tarefas a serem feitas nos ecrãs e no papel. Os filhos têm de estudar e os pais têm de trabalhar. De outro modo, como as propostas do antigo ministro para a pandemia, é irrealista e sem adesão à vida das pessoas.

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