Morreu Adam Schlesinger, dos Fountains of Wayne, criador de canções pop perfeitas

Paralelamente à sua banda de power-pop, o músico, que morreu aos 52 anos, vítima da covid-19, foi muito activo em bandas sonoras de cinema e televisão. Era especialista em escrever de raiz música que soava a algo que existia desde sempre.

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SHAWN THEW/EPA

Criador de canções pop perfeitas, conhecedor profundo da história da escrita de canções e fluente em vários géneros musicais, Adam Schlesinger, que morreu esta quarta-feira, aos 52 anos, vítima da covid-19, era baixista, co-compositor e fazia coros nos Fountains of Wayne, banda nova-iorquina de power pop que fundou com Chris Collingwood em 1995. Nascido em Nova Iorque a 31 de Outubro de 1967, mantinha também, fora da banda que teve um êxito gigante com Stacy's mom, em 2003, uma prolífica carreira na composição de canções originais e bandas sonoras para filmes e televisão, tendo nessa condição ganho três Emmys e um Grammy, além de ter sido nomeado para Óscares e Tonys. Foi ainda membro dos Ivy e dos Tinted Windows e escreveu canções para os Fever High.

Quando Tom Hanks estava a preparar o seu primeiro filme como realizador, Tudo Por Um Sonho (1996), sobre uma banda fictícia de um êxito só dos anos 1960, precisava de uma canção rock perfeita composta de propósito para a banda sonora. Schlesinger escreveu então, meramente como exercício, That thing you do!. Submeteu-a à produção e foi seleccionado. Era o exemplo perfeito de um tema rock dos anos 60, com todos os lugares-comuns da década, uma ingenuidade adolescente a falar de amor e uma simplicidade enganadora. Escrita expressamente para o filme, parecia no entanto existir há muito mais tempo. E, apesar de repetida até à exaustão ao longo de Tudo Por Um Sonho e de ficar retida na cabeça de todos os que o viram, não chegava a cansar, uma característica importante do trabalho do compositor.

Foi nomeado, por That thing you do!, para um Óscar e um Globo de Ouro. Aí se iniciaria uma longa carreira em Hollywood, que passou, entre outros, por filmes como Música e Letra (2007), a comédia romântica com Hugh Grant e Drew Barrymore em que Grant encarnava uma ex-estrela pop dos anos 1980 com muitos pós de Wham!, Duran Duran e outras bandas britânicas. Muita da música original desse filme, tanto a de época quanto a contemporânea, era de Schlesinger. Também trabalhou em Damsels in Distress (2011), o filme que marcou o regresso de Whit Stillman à realização depois de 13 anos de inactividade, e ainda em A Idade do Gelo 4: Deriva Continental, de Steve Martino e Mike Thurmeier, Art School Confidential, de Terry Zwigoff, ou Josie and the Pussycats, de Harry Elfont e Deborah Kaplan, entre muitos outros.

Entre a emulação, a tentativa de soar àqueles que vieram antes, e a originalidade, a música de Schlesinger funcionava a vários níveis. Sempre com um sentido de humor apurado, muitas vezes caía no campo da paródia, mas com uma apreciação genuína pelo objecto de paródia e a soar tão bem ou melhor do que aquilo de que tentava aproximar-se. Exemplo disso são as 157 canções que escreveu ou co-escreveu para a série de comédia musical Crazy Ex-Girlfriend, co-criada e protagonizada por Rachel Bloom, e que lhe valeu um Emmy. É dele, por exemplo, Gettin’ bi, um hino à bissexualidade masculina. Paralelamente, também produziu ou co-produziu toda a banda sonora da série que, semana a semana, apresentava várias canções originais. Ainda em televisão, escreveu música para comédias dos anos 1990 como The Dana Carvey Show Crank Yankers.

Com os Fountains of Wayne, que estavam acabados mas não tinham posto de parte a hipótese de virem a reunir, gravou, entre 1996 e 2011, cinco discos, o último dos quais Sky Full of Holes, tendo também trabalhado como produtor ou escritor de canções para artistas como Monkees, Robert Plant, Dashboard Confessional ou They Might Be Giants. Também teve carreira no teatro, em parceria com David Javerbaum, com quem partilhou um Grammy em 2010 pelo especial de Natal televisivo A Colbert Christmas: The Greatest Gift of All!, e escreveu uma adaptação musical de palco a de Cry-Baby, de John Waters. Colaborou ainda com Javerbaum na peça An Act of God, adaptada em Portugal por Joaquim Monchique, e na abertura dos Tony de 2011 e 2012, e dos Emmy de 2011 e 2013.

Para este ano estava marcada a estreia, entretanto adiada, de The Bedwetter, musical co-escrito pela cómica Sarah Silverman a partir do seu livro de memórias, com música de Schlesinger, que é também co-autor das letras.

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