“Publicaria Woody Allen, mesmo se ele fosse considerado culpado”

Editora francesa Jeannette Seaver justifica a decisão de editar Apropos of Nothing, a autobiografia do realizador de Meia-Noite em Paris, que considera “um artista admirável”.

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Não deixa de ser curioso que tenha partido de uma francesa a decisão de editar a autobiografia de Woody Allen, Apropos of Nothing (A Propósito de Nada), que esta segunda-feira ficou finalmente disponível para os leitores nos Estados Unidos.

A decisão partiu de Jeannette Seaver, a editora da Arcade Publishing, viúva de Richard Saver (1926-2009) – que em 1988 criou esta casa especialmente dedicada a edições independentes –, e que justificou a publicação com a defesa da liberdade de expressão.

Mais admirado na Europa, e especialmente em França, do que no seu próprio país, Woody Allen estava a viver com a sua autobiografia a mesma sorte que o seu trabalho de realizador. Depois de ter sido anunciado que chegaria às bancas no dia 7 de Abril, numa edição da Grand Central Publishing, uma das filiais do Grupo Hachette, Apropos of Nothing foi de novo remetida para o silêncio, algo que já tinha acontecido com o filme Um Dia de Chuva em Nova Iorque, que não entrou no circuito comercial americano.

A razão é conhecida: o seu filho Ronan Farrow voltou a invocar as acusações da irmã Dylan Farrow, filha adoptiva de Allen e de Mia Farrow, de que o pai tinha abusado sexualmente dela quando criança, criticou a editora, e a Hachette voltou atrás na decisão de publicar o livro. À pressão de Ronan – cujo livro Catch and Kill, publicado em 2017 também numa filial da Hachette, a Little, Brown and Company, estaria na origem do movimento #MeToo –, somou-se a dos funcionários dos escritórios da empresa em Nova Iorque e Boston, que se rebelaram contra a publicação da obra.

Mas quatro dias foram suficientes para Woody Allen encontrar uma editora alternativa, e ela chegou pela mão de Jeannette Seaver, a tradutora e editora francesa que esta terça-feira, em entrevista à revista Le Point, voltou a dizer que está a defender a liberdade de expressão, como preconiza a primeira emenda da Constituição americana.

“Eu segui a mesma linha do meu marido Dick, que passou a vida a erguer barricadas contra a censura, e defendendo-as custe o que custar”, disse Jeannette Seaver, lembrando que fez agora com o realizador de Meia-Noite em Paris aquilo que a sua editora foi fazendo, ao longo dos anos, com outros autores malditos, como Brecht ou Ionesco, Beckett ou John Irving, Ismaël Kadaré ou Jack Kerouac, Henry Miller ou William Burroughs.

Mais do que um lado da história

Depois de ter já realçado, no comunicado no início desta semana em que anunciou a publicação de Apropos of Notinhg, ser importante “ouvir mais do que um lado da história” e salvaguardar “o direito de um escritor de ser ouvido”, a editora disse à Point que teria publicado o livro “mesmo se [Woody Allen] fosse considerado culpado”.

“O que os hipócritas dizem não me interessa. Estou feliz, porque Woody Allen é um artista admirável”, acrescentou Seaver ao semanário francês, reafirmando que ele tem o direito de “dar a conhecer a sua versão dos factos” depois de ter sido “caluniado com tanta eficácia” pela família. “Para além do bem e do mal, temos de nos demarcar das barreiras impostas pela moral”, notou.

Sobre o livro de 400 páginas – que também já chegou a Itália, e estará a ser igualmente negociado para Portugal –, Jeannette Seaver assegura que, nele, o leitor vai encontrar “o humor e a voz de Woody Allen”, que fala da “sua carreira de humorista e de músico e evidentemente dá a sua versão sobre aquilo de que o acusa o clã Mia Farrow”.

Sobre a circunstância de ser uma cidadã francesa a quebrar o muro da censura americana, a editora responde: “Sou evidentemente herdeira da minha cultura, que é a de desafiar a ordem estabelecida. E muito simplesmente, como os meus compatriotas, adoro Woody Allen”.

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