Proteína ajuda neurónios a recuperar lesões da medula

Equipa de investigadores do Instituto de Inovação e Investigação em Saúde, da Universidade do Porto, apresenta uma versão modificada de uma proteína que é capaz de estimular a regeneração de neurónios do sistema nervoso central.

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Um neurónio isolado em cultura de células. Da esquerda para a direita, com níveis normais de proteína, com doses elevadas da proteína e, por fim, com doses elevadas da versão modificada da proteína I3S

A descoberta sobre os efeitos desta proteína na regeneração dos neurónios do sistema nervoso central (SNC) já era conhecida há algum tempo, abrindo desde logo a porta para a possível recuperação de lesões medulares. A equipa do I3S (Instituto de Inovação e Investigação em Saúde) da Universidade do Porto que patenteou uma “fórmula” baseada nesta proteína já realizou testes in vitro e em modelos animais que mostraram a sua eficácia. Agora, o plano é testar (ainda em modelos animais) a possível terapia em duas fases diferentes da lesão medular para observar os seus efeitos logo após a lesão e passado algum tempo.

“Após o trauma, a regeneração dos axónios adultos do SNC é abortada, causando défices neurológicos devastadores. Apesar do progresso nos cuidados de reabilitação, não existe tratamento eficaz que estimule o crescimento do axónio após a lesão”, começa por referir o artigo publicado pela equipa portuguesa na revista científica Journal of Clinical Investigation.

Os investigadores do I3S já tinham identificado uma proteína (que se encontra nas diferentes células do nosso organismo) que, quando estava presente em quantidades elevadas nos neurónios do SNC, promovia o crescimento dos axónios (o prolongamento do neurónio que estabelece a ligação entre as células). Esta proteína apresentava-se assim como uma possível ajuda preciosa em casos de lesão medular, quando os neurónios danificados perdem a capacidade de fazer crescer os seus axónios. Os investigadores resolveram ver os efeitos de uma dose aumentada desta proteína naqueles neurónios danificados.

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Rita Pinto e Mónica Sousa, investigadoras do I3S DR

O estímulo da proteína foi primeiro demonstrado em culturas de células com neurónios normais e isolados (que têm um comportamento diferente dos neurónios rodeados pelos vários estímulos do ambiente no organismo) para a chamada “prova de conceito”. Num passo seguinte, realizaram-se experiências em ratinhos que receberam doses elevadas desta proteína e que depois sofreram uma lesão medular.

Observou-se a regeneração dos axónios, mas faltava ainda assegurar que a célula não podia “reagir” e desactivar esta proteína. Os investigadores criaram por isso uma versão modificada da proteína que a célula não pode desactivar.

A proteína em questão é a profilina-1 (Pfn1), explica ao PÚBLICO Rita Pinto, a primeira autora do artigo agora publicado e que demonstra como a proteína que regula a dinâmica do esqueleto celular promove o crescimento do axónio com efeitos “robustos e surpreendentes”, mais concretamente, duplica o seu crescimento. “Nenhuma outra molécula, medicamento ou estratégia tem este resultado”, acrescenta um comunicado do I3S sobre o estudo.

A investigadora explica que não há riscos de rejeição, pois esta proteína regula o crescimento do esqueleto de todas as células. “Não é nada estranho ao organismo, é uma quantidade mais elevada de uma proteína com uma modificação que o próprio organismo também já consegue produzir naturalmente”, esclarece. 

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O axónio de um neurónio DR

Transporte seguro

A proteína modificada é administrada na corrente sanguínea através de um adenovírus, um veículo que está a ser usado para o “transporte” de outro tipo de moléculas em ensaios clínicos para doenças neurodegenerativas, hemofilia, cegueira hereditária e atrofia muscular espinal. Ou seja, este é um veículo “seguro”, garante Rita Pinto. A administração de Pfn1 através de um adenovírus a roedores “promoveu a regeneração do axónio, a maturação da junção neuromuscular e a recuperação funcional dos nervos ciáticos lesionados”, lê-se no artigo.

Falta, no entanto, esclarecer os efeitos que uma dose mais elevada desta proteína modificada pode ter em células não danificadas. Que tipo de acção tem em células saudáveis, sem sinais de lesão? Como é que este tratamento afecta os neurónios do cérebro onde esta proteína também está presente? Quanto tempo permanece em doses elevadas nas células? Ainda é cedo para responder a estas questões, admite Rita Pinto. “Por agora, não foram identificados quaisquer efeitos secundários”, nota a investigadora, sublinhando que esta “terapia” só deverá produzir um efeito nas células danificadas que precisam de uma forma promotora de crescimento. Nos casos em que não seja necessária esta ajuda, “a própria célula fará um silenciamento dos níveis elevados”, diz Rita Pinto. 

Assim, espera-se que a terapia não tenha influência noutras células, actuando apenas nos neurónios do SNC e periférico, que sem este impulso estão incapazes de se regenerar sozinhos. Além disso, Rita Pinto destaca que “é abrangente porque pode ser utilizada noutros casos em que a integridade neuronal está comprometida, como a esclerose lateral amiotrófica, e em neuropatias periféricas do sistema nervoso: danos nos nervos das cordas vocais, disfunção eréctil, efeitos secundários da quimioterapia, entre outros”.

Este trabalho é desenvolvido há mais de quatro anos por um grupo do I3S liderado pela investigadora Mónica Sousa, que, no comunicado do instituto, adianta que se pretende agora testar a terapia em dois momentos pós-traumáticos”: “Numa fase inicial após a lesão e numa fase mais tardia, mais crónica, sabendo nós que, neste último caso, a regeneração dos neurónios é mais difícil.”

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