Um espectáculo para Mário Moutinho, uma “cara familiar”

A vida e a carreira de Mário Moutinho, actor, produtor e programador, está no centro de Little B, a nova produção da companhia Visões Úteis.

Mário Moutinho, Francisca Neves e Carlos Costa em <i>Little B</i>
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Mário Moutinho, Francisca Neves e Carlos Costa em Little B José Caldeira
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Little B, uma produção Visões Úteis José Caldeira
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Little B, uma produção Visões Úteis José Caldeira
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Little B, uma produção Visões Úteis José Caldeira

Houve um tempo em que Mário Moutinho (Porto, 1946) sonhou ser baterista. E o que queria mesmo era tocar ao vivo o solo instrumental Little B, que a banda britânica The Shadows incluiu no seu segundo álbum, Out of the Shadows (1962). Mas, nesses tempos iniciais da pop, o que a juventude queria era ter música para dançar, e uma bateria a solo não era a banda sonora mais prometedora.

A vida e a carreira deste actor portuense, conhecido pelo seu trabalho no teatro, no cinema e na televisão, mas também produtor e programador, desenrolou-se praticamente sempre no “lado b” das grandes produções e dos grandes papéis. Mas manteve-se sempre em cena – e aí continua –, tanto em cima dos palcos como nos bastidores, tanto no grande como no pequeno ecrã, nas salas de formação como nos circuitos de divulgação. E a companhia portuense Visões Úteis achou que a vida de Mário Moutinho dava… um espectáculo de teatro.

Assim nasceu Little B, uma co-produção com o Teatro Municipal do Porto, o Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), em Coimbra, e o Teatro Diogo Bernardes, em Ponte de Lima, onde teve estreia no passado dia 8 de Novembro. Esta quarta-feira, e depois de uma visita a Setúbal, chega ao pequeno auditório do Rivoli, no Porto, para depois prosseguir até Coimbra.

A ideia do espectáculo surgiu na sequência do trabalho de preparação do livro O Teatro Semiprofissional no Porto. Arte, activismo e experimentalismo nos anos 70 e 80, em que Mário Moutinho e a jornalista Luísa Marinho fizeram o levantamento da movida teatral da cidade nessas décadas finais do século passado. Juntamente com a publicação, editada pela Afrontamento, e complementada por uma exposição e por um ciclo de debates no Espaço Mira, Little B vem agora completar um projecto também pessoal do actor. “Não queríamos que o espectáculo fosse uma retrospectiva documental da minha vida, daquilo que já fiz ou ainda não fiz”, explica Moutinho ao PÚBLICO no final de um ensaio no Rivoli.

Ana Vitorino, actriz e co-encenadora da peça, acrescenta que o objectivo foi pegar na experiência pessoal e profissional de Mário Moutinho para “falar da situação do artista”, neste caso, a partir de alguém que, independentemente da idade que tem, “está sempre a questionar-se, a reinventar-se e a fazer pontes, a ensinar e a dar lugar aos mais jovens”.

Little B é uma criação em loop: começa com a desmontagem de um espectáculo, com os actores a rebobinarem um filme, a retirarem os filtros de cor dos holofotes, a arrumarem os adereços. Nesse cruzamento de tarefas e nesse ambiente de descompressão da cena, os actores (Mário Moutinho e Ana Vitorino, ao lado de Carlos Costa e de Francisca Neves, esta em substituição de Sara Barros Leitão no elenco actual – todos em nome próprio) contam histórias, recordam episódios, reflectem sobre a vida no teatro e sobre as coisas da cultura em geral.

A certa altura, Mário diz que tem agora “mais receio de entrar em palco do que no início”, quando, com toda a energia, arriscava tudo e se atirava “de cabeça”. Daí que veja agora a desmontagem como “um alívio”. Mas quem conhece a personagem na vida real (e também nos diferentes palcos) sabe que isso não é verdade.

Little B, de resto, joga muito também no efeito de reconhecimento da figura e da voz inconfundíveis de Mário Moutinho– a esse nível, será interessante ver como reagirá o público a alguém que lhe é “familiar”, seja do Guarda Serôdio da série Os Amigos do Gaspar (anos 80) ou do Marcial d’Os Andrades (anos 90), duas produções da RTP-Porto, seja do elenco de Vai no Batalha (1993), do Teatro de Marionetas do Porto.

Em Setúbal, testemunha Ana Vitorino, houve quem comentasse “a cara deste senhor é-me familiar”. O Visões Úteis espera, de resto, que Little B continue a funcionar “mesmo para as pessoas que não têm essas referências”, acrescenta Carlos Costa. O também actor e co-encenador deseja que, qualquer que seja o palco, os espectadores se divirtam tanto quando o grupo se divertiu a preparar e a montar esta produção. “Cada vez mais o espectáculo que o Mário queria fazer se tornou no espectáculo que nós quisemos fazer”, diz.

Little B vai manter-se em cena no Rivoli até ao próximo domingo, dia 19, integrado no programa do 88.º aniversário do teatro, seguindo, no dia 24, para o TAGV. Em Setembro, integrará o Festival Muscarium, em Sintra.

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