Câmara dos Comuns aprova lei que concretiza o “Brexit” a 31 de Janeiro

Maioria conservadora rejeitou todas as emendas e fez aprovar a proposta de lei para a implementação do acordo de saída do Reino Unido da UE.

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LUSA/WILL OLIVER

Sem surpresa, sem fanfarra e, principalmente, sem o dramatismo das votações anteriores, os deputados britânicos cumpriram esta quinta-feira a última etapa legislativa e deram luz verde à proposta de lei que regulamenta a saída do Reino Unido da União Europeia. A legislação que permitirá a concretização do “Brexit” foi aprovada na Câmara dos Comuns com 330 votos a favor e 231 contra: no dia 31 de Janeiro, o Reino Unido deixará de ser um dos Estados membros da União Europeia.

O acordo de saída do Reino Unido da UE já tinha merecido a aprovação do Parlamento britânico, numa primeira apreciação, a 20 de Outubro. Mas nessa altura os deputados consideraram não haver tempo para avaliar a proposta de lei de regulamentação do “Brexit” antes da data da saída, então marcada para 31 de Outubro. O processo foi então suspenso, para ser retomado depois de a UE ter autorizado um novo adiamento do prazo do “Brexit” e a realização de eleições antecipadas, que produziram uma maioria absoluta do Partido Conservador.

Fortalecido com uma nova bancada de Brexiteers, o primeiro-ministro, Boris Johnson, colocou imediatamente na agenda a votação da proposta de lei de implementação da saída da UE: nessa segunda leitura, o texto foi aprovado por uma confortável maioria de 124 votos (358 a favor e 234 contra).

Esta última votação, a chamada terceira leitura, decorreu depois do debate da legislação na especialidade, e da rejeição de várias novas cláusulas e emendas ao texto por parte da nova maioria conservadora.

Na segunda leitura, os deputados já tinham concedido ao primeiro-ministro plenos poderes para definir os termos da relação futura com a UE, e aceitado o fim do período de transição previsto no acordo de saída a 31 de Dezembro de 2020 — uma decisão que reduz o tempo para a negociação de um acordo comercial a menos de onze meses, e que volta a colocar a hipótese do “no-deal”.

Desta vez, os tories excluíram uma emenda que era exigida pelas bancadas da oposição e que garantia que crianças com o estatuto de refugiadas vindas da União Europeia pudessem beneficiar do regime de reunificação familiar com parentes a viver no Reino Unido. Também votaram contra a adição de uma outra cláusula que obrigava o Governo a negociar a participação do Reino Unido nos programas de educação e juventude Erasmus + promovidos pela União Europeia.

A maioria inviabilizou ainda uma proposta apresentada pelo Partido Nacional Escocês para a rejeição da lei de implementação do “Brexit”. Numa acção meramente simbólica realizada na quarta-feira, o parlamento autónomo de Holyrood, na Escócia, rejeitou o acordo de saída do Reino Unido da UE. A votação, sem qualquer consequência jurídica, visava apenas fortalecer a causa política da Escócia a favor da realização de um novo referendo independentista: como frisou a primeira-ministra, Nicola Sturgeon, a distância entre a política escocesa relativa à Europa e as decisões de Westminster não podia ser maior.

O acordo de saída estabelece os termos do divórcio entre o Reino Unido e a UE. A sua versão derradeira é o resultado de quase dois anos de negociações intensas entre Londres e Bruxelas: foi a rejeição sistemática do acordo fechado pela anterior primeira-ministra, Theresa May, que levou o seu sucessor Boris Johnson a convocar eleições antecipadas para vencer o bloqueio político do Parlamento.

Johnson fechou a primeira fase do processo negocial com Bruxelas no final de Outubro. Assustados com a perspectiva de um “Brexit” caótico no final do ano, os europeus aceitaram rever o protocolo para a Irlanda anexo ao acordo, substituindo o controverso mecanismo de salvaguarda conhecido como o “backstop” para a fronteira por um novo sistema permanente que mantém a Irlanda do Norte alinhada com as regras europeias e transfere a fronteira do Reino Unido para o mar.

A regulamentação desse novo sistema ainda terá de ser desenhada e aprovada em Westminster. A lei de implementação do “Brexit” também ainda terá de passar pelo crivo da câmara alta do Parlamento, onde o equilíbrio de forças é menos favorável aos tories. A expectativa é que os Lordes acrescentem algumas emendas à lei, sem contudo pôr em causa o documento, que deverá ser aprovado e remetido para o assentimento da rainha até ao dia 22 de Janeiro.

Com a aprovação da legislação para a saída do Reino Unido da UE — a obrigatória ratificação do acordo pelo Parlamento Europeu foi agendada para o próximo dia 29 de Janeiro — fecha-se o primeiro ciclo das negociações entre Londres e Bruxelas. Os dois lados têm agora um mês para definir o modelo para a segunda fase das conversações, relativas à relação futura. O processo não será mais fácil: o desafio, como confirmou o porta-voz de Downing Street, será “chegar a um acordo de livre comércio que abranja bens e serviços” e ainda “estabelecer uma cooperação estreita noutras áreas” até ao final de 2020. Isto porque, repetiu, Boris Johnson recusa prolongar o período de transição, durante o qual o Reino Unido continuará integrado no mercado único europeu.

Os responsáveis da União Europeia contestam abertamente o calendário do Governo britânico, e já avisaram Boris Johnson que vai ter de definir as suas prioridades negociais para evitar um novo cenário de instabilidade no final do ano. Numa conferência em Estocolmo, esta quinta-feira, o negociador da UE para o “Brexit”, Michel Barnier, revelou que Bruxelas não vai suspender a sua preparação para o cenário de “no-deal” nem descartar as suas medidas de contingência para a hipótese de não ser assinado um acordo comercial antes do fim do ano.

“Se o período de transição se esgotar sem que tenha sido possível fechar a nova parceria, terão de ser repostas tarifas e quotas”, avisou. “Será um total anacronismo, mas será um cenário para o qual naturalmente não deixaremos de nos preparar”, completou.

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