Vendem-se experiências

“Luxo já não é ter dinheiro para jóias. É ter tempo. Um estilo de vida humanizado. Um ambiente onde se respira autenticidade.” Correcto. O problema é que também para isso é preciso deter capital.

Em 2015 a revista global de tendências Monocle realizou uma conferência internacional em Lisboa propondo um conjunto de reflexões sobre o que significava ter qualidade de vida urbana. Ideias como “autenticidade”, “memória”, “escala humana” e “experiência” foram enaltecidas. Em abstracto, destituídas de valor económico, são concepções atraentes.

O problema começa quando se percebe que aquilo que as determina nem sempre é o interesse cívico, o benefício público, o usufruto para uma maioria, mas motivos económicos e comerciais que vão de encontro aos padrões de consumo, à estetização de lugares, a estilos de vida exclusivos associados a grupos específicos que detêm capital para os usufruir. Como alguém concluía: “Luxo já não é ter dinheiro para jóias. É ter tempo. Um estilo de vida humanizado. Um ambiente onde se respira autenticidade.” Correcto. O problema é que também para isso é preciso deter capital.

Já não se vende apenas um produto. Quer-se também amparar, educar e empoderar o cliente, com flexibilidade e conveniência. O comércio já não é apenas vender se não houver entretenimento. À facilidade da compra digital opõe-se a ida ao ponto de venda físico por lazer. Produtos de moda ao lado de instalações artísticas. Aquela atenção especial no hotel, em sintonia com as aspirações pessoais, com a cesta de produtos biológicos ou a música devidamente seleccionada. A hiper-individualização da relação com o consumo, maneira de contrariar o obsoleto consumo de massas.

A distinção social já não se concretiza apenas através da posse de jóias, roupas, carros ou iPhone do último modelo, certamente muito diferente do anterior. A não ser que se ofereçam experiências também. Aventuras, itinerários, narrativas, imersão, vivências, sensações, prazeres. Um consumo emocional. Algo que forneça a ilusão de saúde física e mental. Que garanta que a nossa vida não está em passar em vão. O luxo ainda existe na sua forma clássica, com torneiras de ouro, lustres ou Hermès. Mas o desejo de consumo banalizou-se. A aspiração material generalizou-se. Quer-se algo mais singular. Algo que misture o material e o afectivo.

O luxo já não se mede em quantidade. Mas através do paradoxo da qualidade. Quer-se almoçar com consistência, mas a elegância exige contenção. Quer-se a pele bronzeada, mas tem-se medo do cancro da pele. Quer-se trabalhar menos, mas é preciso laborar mais para pagar aquelas férias ao Bali para relaxar. Sente-se culpa a toda a hora. Mas calma. Para o cliente se esquecer dela, o mercado tem a solução. Em vez de Coca-Cola original, temos a Zero. Sabor igual, mas sem efeitos nocivos.

E se ainda assim não se sentir bem, respire fundo. Ir à igreja era o que se fazia antigamente. Agora pode ir ao centro comercial. Adquirir um pacote de massagens. Viajar para dar um tempo a si próprio. Ou obter um conjunto de terapias de desenvolvimento pessoal. Combatemos tudo: depressão, tristeza e solidão. Tornámo-nos coleccionadores de práticas.

Lutamos contra o tédio. Andamos numa busca incansável e viciada por novidade. Queremos experiências culinárias ou culturais. Queremos ser marcados, submergidos e abanados. Mas nunca saímos da lógica do mercado. Todas as esferas da nossa vida estão subjugadas a ele. O melhor que se arranja, e isso não está à venda, é ter consciência disso, actuar nos interstícios e nos vazios que se vão apresentando. Toda uma experiência.

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