El Camino — Um Filme Breaking Bad é sobre o rapaz que sobreviveu

Chegou nesta sexta-feira à Netflix o filme de Breaking Bad. Este texto contém spoilers reduzidos sobre um capítulo extra de um dos dramas mais celebrados de sempre e que faz total justiça à herança de Breaking Bad. São os universos televisivos, “bitches”!

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Aaron Paul como Jesse Pinkman Ben Rothstein / Netflix

Jesse Pinkman devia ter morrido algures na primeira temporada de Breaking Bad. Era esse o plano do inicial do criador Vince Gilligan para o companheiro de cozinha de Walter White, o professor de química que se virou para o crime. Mas logo ao segundo episódio percebeu que isso não iria acontecer. Aaron Paul, o actor que deu corpo a Jesse, salvou-o com o seu talento (“o melhor actor da sua geração”, chegou a dizer Gilligan) e levou-o até ao último episódio da última temporada, sobrevivendo (spoiler para quem nunca viu Breaking Bad) ao seu antigo professor do liceu e a quase toda a gente. Jesse foi o rapaz que ficou vivo e que continua a existir neste universo que tem agora mais uma expansão. Passa a ser mais (já o era, na verdade) do que o secundário eternamente torturado porque se deixava ir onde o universo o conduzia. El Camino: Um Filme Breaking Bad é, literalmente, o caminho de Jesse Pinkman. O caminho da sua própria escolha.

Depois do spin off sobre o advogado vigarista Saul Goodman (Better Call Saul) que ganhou vida própria (quatro temporadas e uma quinta já filmada) e que brilha pelos seus próprios méritos, chegou nesta sexta-feira ao serviço de streaming Netflix um filme. El Camino dá mais vida ao segundo dos principais, ou ao primeiro dos secundários, como entendiam as diversas academias que davam prémios de interpretação na televisão — Bryan Cranston estava sempre nomeado para actor principal pelo seu Heisenberg, Aaron Paul morava na categoria secundária.

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Ben Rothstein / Netflix

São os universos televisivos “bitches” — e temos visto muitas coisas parecidas nos últimos tempos como os filmes de Downton Abbey, Deadwood e The Walking Dead, que para além da nova série que ainda não tem título, vai ter três filmes. Mas isto não quer dizer que El Camino seja um subproduto tão inútil como uma cena pós-créditos num filme de super-heróis que não acrescenta nada. Acrescenta muito. É um epílogo que talvez seja mesmo um epílogo, talvez seja o início de qualquer outra coisa. Talvez não fosse necessário porque Walter White, o tipo que “breaks bad”, está morto e esta era a sua história.

Mas este é um capítulo extra em formato longa-metragem que faz total justiça à herança de Breaking Bad, um dos mais celebrados dramas televisivos de sempre, com um arco narrativo coerente, na medida certa em tempo de vida e que tinha conseguido algo raro em séries que têm seguidores apaixonados no limite da obsessão: teve um final à altura que ninguém colocou em causa. Foi um final fechado para quase toda a gente, menos para Jesse, visto nos segundos finais ao volante de um Chevrolet El Camino, com um riso nervoso e catártico que não era bem de alívio.

É exactamente ao volante desse El Camino que o encontramos agora, seis anos depois. Para ele foram segundos após ter escapado ao cativeiro a que parecia condenado às mãos de um gangue de criminosos neonazis. Ele não é o perigo, como diria Walter White/Heisenberg. Ele está em perigo e tem uma urgência de fugir, não apenas da cidade onde cozinhava drogas com Heisenberg, onde foi várias vezes torturado, onde matou e viu morrer. Precisa de escapar a essas memórias, mesmo que as cicatrizes continuem com ele. Para isso, precisa de dinheiro, e vai ter de mergulhar no passado antes de lhe fugir. Tudo se desenvolve a partir daqui.

É um filme tão cristalino como as metanfetaminas que Jesse e Walter White cozinhavam na autocaravana, com as cores do deserto do Novo México e povoado por várias personagens do passado e por vários fantasmas de pecados passados, uns muito secundários (quase figurantes), outros menos. Dizer neste texto quem são eles seria trair o segredo que envolveu toda a produção de El Camino - ninguém sabia que existia praticamente até começarem a aparecer os trailers. Não é — e não seria esse o objectivo — um filme que sobreviva por si só, sem visionamento prévio das primeiras 62 horas de Breaking Bad. Mas é um caminho que vale a pena fazer.

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