A alienação parental e a justiça

No âmbito do Direito e da sua aplicação, o reconhecimento do conceito de alienação parental mantém-se relativamente controverso, mas têm sido crescentes as referências substanciais a esta realidade.

Em artigos anteriores, temo-nos referido à importância de enquadrar o fenómeno da conflitualidade entre pais com origem em processos de alienação parental, através da cooperação e trabalho interdisciplinar, entre os especialistas que se dedicam ao apoio à resolução destas situações (psicólogos, assistentes sociais, educadores, médicos...). O direito e a sua aplicação, nomeadamente a partir do trabalho dos juízes e advogados, são determinantes deste processo.

No âmbito do direito e da sua aplicação, o reconhecimento do conceito de alienação parental mantém-se relativamente controverso, mas têm sido crescentes as referências substanciais a esta realidade. Entre outros — Fialho & Vilardo, 2011 (1); Figueiredo, 2018 (2), Silva, 2016 (3) —, o testemunho de José Manuel Bernardo Domingos, 2009 (4), juiz desembargador do Tribunal da Relação de Évora, parece-nos particularmente interessante para apoiar a compreensão deste fenómeno, nomeadamente pela forma como o sintetiza num elenco de 20 atitudes e comportamentos do que indiciam a existência de situações de alienação parental.

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Chris Andrews/Getty Images

Diz o autor que os principais sinais de alerta  para se considerar uma situação de alienação parental se encontram quando um dos pais, em relação ao outro: “a) denigre a imagem da pessoa do outro ; b) organiza diversas actividades para o dia de visitas, de modo a torná-las desinteressantes ou mesmo inibi-las; c) não comunica ao outro  factos importantes relacionados com a vida dos filhos (rendimento escolar, agendamento de consultas médicas, ocorrência de doenças, etc.); d) toma decisões importantes sobre a vida dos filhos, sem prévia consulta do outro cônjuge (por exemplo: escolha ou mudança de escola, de pediatra, etc.); e) viaja e deixa os filhos com terceiros sem comunicar o outro; f) apresenta o novo companheiro à criança como sendo seu novo pai/mãe; g) faz comentários desagradáveis ou depreciativos sobre presentes ou roupas compradas pelo outro; h) critica a competência profissional e/ou a situação financeira do ex-cônjuge; i) obriga a criança a optar entre a mãe ou o pai, ameaçando-a com algo desagradável, caso a escolha recaia sobre o outro; j) transmite e faz sentir à criança o seu desagrado quando por alguma forma ela manifesta satisfação ou contentamento por estar com o outro  ou com algo com este relacionado; k) controla excessivamente os horários de visita; l) recorda à criança, com insistência, motivos ou factos ocorridos pelos quais deverá ficar aborrecida com o outro ; m) transforma a criança em espiã da vida do ex-cônjuge; n) sugere à criança que o outro  é pessoa perigosa; o) emite falsas imputações de abuso sexual, uso de drogas e álcool; p) dá em dobro ou triplo o número de presentes que a criança recebe do outro; q) danifica, destrói, esconde ou cuida mal dos presentes que o “outro” dá ao filho; r) não autoriza que a criança leve para a casa do “outro” os brinquedos e as roupas de que mais gosta; s) ignora em encontros casuais, quando junto com o filho, a presença do outro , levando a criança a também desconhecê-la; t) não permite que a criança esteja com o alienado em ocasiões outras que não aquelas prévia e expressamente estipuladas”.

O reconhecimento deste fenómeno tem também sido assumido na figura de acórdãos judiciais. Por exemplo, num acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-10-2017 considerou-se que “(…) a alienação parental, não tendo sido cientificamente reconhecida como uma síndroma, consubstancia uma prática social de afastamento emocional do filho face a um dos progenitores, por ação intencional, injustificada e censurável do outro, nomeadamente porque determinada por interesse egoístas e frívolos próprios, e não pelo ‘superior interesse’ do filho (…).

Também num acórdão de 04-12-2012, o mesmo tribunal aceitou o conceito de alienação parental, tendo considerado que “(…) em matéria de regulação do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio e/ou separação judicial de pessoas e bens é o n.º 7 do artigo 1906.º do Código Civil bastante claro e incisivo ao determinar que “(…) o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores (…)”.

Estes testemunhos partilham com muitos outros da mesma área, que aqui não é possível aludir, o reconhecimento por parte dos agentes da justiça do fenómeno da alienação parental, um elemento essencial para poder apoiar a intervenção de outros especialistas que se dedicam ao enquadramento deste crescente problema. Mas não só. Nele, encontramos uma grande convergência com as evidências a que temos aludido noutras ocasiões e que a investigação, no âmbito da psicologia, vem enfatizando como elementos essenciais para a compreensão do fenómeno da alienação parental.

1. Fialho, A.  & Vilardo, M. (2011). “Quando o amor dá lugar ao ódio”, Revista do Centro de Estudos Judiciários, n.º 15 (Janeiro a Junho), pp. 137-189.

2. Figueiredo, P. Raposo (2018). “Manipulação da vontade da criança – as respostas do tribunal”, in "O fenómeno da ‘alienação parental’. Mito(s) e Realidade(s), Coleção Formação Contínua. pp. 75-94.

3. Silva, J. Manuel (2016). A Família das Crianças na Separação dos Pais: a guarda compartilhada. Lisboa: Petrony.

4. José Manuel Bernardo Domingos, J. M Bernardo (2009). Seminário “Alienação Parental  enquanto Realidade Jurídica e como Construtus com Utilidade Pragmática em Contexto Judicial”.  Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados. www.paisparasempre.eu/index2.html (acedido em 17 de Setembro de 2019)

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