Protecção de crianças preterida a favor de presunção de inocência de agressores, aponta relatório

O relatório baseia-se numa amostra reduzida: foram analisados sete casos. O Observatório de Crianças e Direitos conclui que, “na dúvida, deve sempre proteger-se a criança”.

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O Observatório defende que, em casos de violência doméstica, o direito do pai ou mãe de visitar o filho “deveria ser sempre suspenso” até a decisão do tribunal fernando veludo/nfactos/ARQUIVO

Um relatório divulgado esta terça-feira conclui que as crianças são ouvidas em tribunal por profissionais sem formação especializada e que a protecção dos menores enquanto vítimas de violência é preterida a favor da presunção de inocência do suposto agressor. O estudo é do Observatório de Crianças e Direitos, criado em 2018 para monitorizar os direitos das crianças envolvidas em processos judiciais cíveis ou penais, e baseia-se numa amostra de casos muito reduzida, sete no total.

Segundo o documento, que será nesta terça-feira apresentado numa sessão em Lisboa, “não se opta por proteger a criança” nos processos de jurisdição de menores quando “há relatos de violência física, psicológica ou sexual por parte de um dos progenitores”, optando-se pelo “princípio de presunção de inocência em relação ao alegado agressor”. Para o observatório, a criança fica, nestas circunstâncias, em “situações de desprotecção e elevado risco”. "Na dúvida deve sempre proteger-se a criança", refere o relatório, o primeiro do observatório.

Atendendo aos sete casos analisados, o Observatório de Crianças e Direitos aponta como falha do sistema judicial a falta de formação adequada dos profissionais que efectuam a audição do menor em tribunal.

“Raramente é respeitada a vontade da criança”

O observatório defende que “é urgente a especialização de profissionais na audição das crianças”."Raramente é respeitada a vontade da criança sobre quem quer e quem não quer ter presente durante a sua audição, quando esta opção existe”, critica o relatório, acrescentando que “muitas vezes as audições são públicas”, não estando por isso assegurada a devida privacidade do depoimento, e que a ausência do alegado agressor da sala só acontece quando é requerida e não por regra. E conclui-se que as interpretações que magistrados ou advogados fazem dos testemunhos dos menores “são preocupantes”.

O espaço onde as crianças são ouvidas “deve ser adequado à sua idade” e o pai ou mãe supostamente agressor do menor e o advogado não devem estar presentes na sala de audição, devendo as perguntas ser dirigidas por escrito à criança, para evitar que esta “se sinta de alguma forma pressionada para responder num sentido ou noutro”.

O relatório realça que deve ser “procedimento vinculativo” a nomeação de um defensor da criança “em todos os processos de regulação das responsabilidades parentais e processos-crime que envolvam menores”, devendo o advogado ser o mesmo caso os dois tipos de processos decorram em paralelo. A presença de um técnico de apoio à vítima na audição das crianças deve ser garantida pelo próprio sistema judicial, adianta o documento.

O observatório entende que, em caso de condenação da mãe ou do pai por violência doméstica, o progenitor “deveria ser inibido das responsabilidades parentais”, considerando “inaceitável e comprometedor do bem-estar” da criança a fixação de visitas aos pais agressores detidos preventivamente ou a cumprirem pena nas cadeias.

O documento advoga que o direito da mãe ou pai suspeito de violência doméstica de visitar o filho “deveria ser sempre suspenso” até a decisão do tribunal transitar em julgado. Em prol da protecção da criança, o relatório sustenta que ao menor deve ser “sempre atribuído” o Estatuto de Vítima Particularmente Vulnerável, seja ela vítima directa ou indirecta de violência doméstica.

O Observatório de Crianças e Direitos resulta de uma iniciativa da Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), da Dignidade — Associação para os Direitos das Mulheres e das Crianças, da Associação Projecto Criar (APC) e da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR).

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