Vitalina Varela, a crítica internacional (quase) a seus pés

A estreia mundial do filme de Pedro Costa foi saudada de forma tão entusiástica – embora não unânime – que o final feliz com Leopardo de Ouro em fundo parecia inevitável em Locarno.

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SOCIEDADE ÓPTICA TÉCNICA

A reacção internacional dos críticos a Vitalina Varela tem, genericamente, dois traços em comum: os elogios rasgados e os aparentemente inevitáveis preâmbulos sobre a artesania do cinema de Pedro Costa e o seu parentesco ferrenho com as artes visuais e do espaço, da pintura à arquitectura, e sobre a própria natureza do cinema. Vista a partir dos EUA ou de França, a estreia mundial do novo filme do cineasta português foi a sensação do 72.º Festival de Locarno, que este sábado lhe deu o seu primeiro Leopardo de Ouro.

“Há muito, talvez há décadas, que Pedro Costa renunciou à habitual economia da produção cinematográfica para trabalhar em pintura”, enceta Julien Gester, do diário francês Libération, que considera Vitalina Varela um filme “sumptuoso”. O jornalista francês foi um dos últimos a escreverem sobre o filme favorito ao prémio máximo do festival suíço antes de ser conhecido o palmarés, e fez o elogio simultâneo ao filme e à sua protagonista, também premiada em Locarno — Vitalina Varela,imensa heroína, aparição já inesquecível no filme anterior [Cavalo Dinheiro], em quem Costa encontrou um novo ‘espelho de paciência’, um absoluto de majestade e obstinação”.

Nos balanços que a imprensa internacional fez de Locarno 2019 é também uma constante a dialéctica Vitalina, o filme vs. Vitalina, a actriz. Tal como são inúmeras, nas redes sociais, as menções a Leonardo Simões, director de fotografia de Vitalina Varela e colaborador habitual de Pedro Costa. A referência ao chiaroscuro, essa técnica da pintura feita cinema nas mãos de Costa, é recorrente na descrição dos jogos de luz e sombra e dos instantâneos de Leonardo Simões na obra agora premiada – menos encantado com o formalismo de Vitalina Varela, o crítico Jay Weissberg, da revista norte-americana Variety, sugere porém que esta “obra punitivamente escura”, “salva” pela protagonista de “se afogar na sua opacidade propositada”, seria mais legível enquanto exposição fotográfica.

Weissberg, que guarda os elogios para Vitalina Varela, mulher cuja história real serve de base ao filme, considera que “a adesão rígida de Pedro Costa ao formalismo vai excitar os seus fãs”, mas sugere que “outros podem sentir-se menos arrebatados pelas suas imagens rigidamente compostas e usadas para gerar emoções intelectualizadas”. E recorda que esses fãs são “um pequeno mas influente grupo de estetas”, lembrete também bem presente na publicação rival, a Hollywood Reporter; o crítico desta, por seu turno, dá nota máxima a Vitalina Varela, resumindo a obra como “um pesadelo fascinante”, “uma mood piece inegavelmente exigente mas cumulativamente recompensadora”, “um estudo intrincado e silenciosamente comovente sobre a amargura”. No fundo, um “épico íntimo”. Que, acredita Neil Young, dará a Pedro Costa o maior potencial de reconhecimento e circulação internacional desde Juventude em Marcha (2006).

No Libé, Julien Gester, que faz ainda um apanhado da armada portuguesa que este ano marcou presença em Locarno, regressa a Pedro Costa para lhe dar filiação. Entre as luzes (poucas) e as sombras (tantas) de Vitalina Varela, encontra evocações das “visões obscurecidas de um David Lynch ou de um [fotógrafo como] Bill Henson, além de Jacques Tourneur”, referência recorrente. Eric Kohn, no Indiewire, não o esquece, como também saiu do visionamento de Vitalina Varela convicto da “capacidade magistral de Costa para extrair poesia cinematográfica de um ambiente único e das figuras fúnebres que vagueiam pelas suas turvas profundezas”.

O realizador português produziu “mais uma visão arrebatadora e magistral”, pôs o site em título, concretizando uma vez mais essa visão de Pedro Costa como artista plástico: “Poucos realizadores pintam com um pincel tão singular. Desde que Béla Tarr se reformou, Costa tornou-se o porta-estandarte de um certo tipo de cinema, taciturno, lírico, impregnado de ambiguidade e rico em implicações.” E perante essa e outras certezas destes últimos dias (Daniel Kasman, do site Mubi, escrevera que Vitalina Varela foi “de longe o melhor novo filme no festival, correndo mais riscos, percorrendo o caminho mais difícil, dedicado com cada fibra do seu ser à transmissão compassiva da experiência de outrem”), o final feliz do Leopardo de Ouro parecia quase inevitável.

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