Facebook promete não lançar moeda até ter luz verde dos reguladores

Libra é gerida por uma associação de 28 entidades e chegou a ser apontada para 2020.

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David Marcus durante a audição no Senado dos EUA Erin Scott/Reuters

O Facebook garantiu que não vai lançar a sua criptomoeda, chamada libra, até ter esclarecido todas as dúvidas e ter a autorização dos reguladores, numa postura invulgar para uma empresa de tecnologia que em tempos teve como mote interno “mexe-te depressa e parte coisas”.

“Espero que esta seja a avaliação pré-lançamento mais vasta, aprofundada e cuidadosa por parte de reguladores e bancos centrais na história da fintech”, afirmou o executivo do Facebook David Marcus, numa audição no Senado americano. Marcus referia-se a um sector que está progressivamente a substituir serviços bancários tradicionais por soluções tecnológicas.

“Sabemos que precisamos de tempo para fazer isto bem”, acrescentou Marcus, na declaração de arranque da audição. “E quero ser claro: o Facebook não vai oferecer a moeda digital libra até termos respondido inteiramente às preocupações regulatórias e recebido as autorizações apropriadas.”

A moeda foi anunciada no mês passado e, embora o lançamento não tivesse uma data definida, chegou a ser apontado pela rede social para a segunda metade de 2020.

Porém, o projecto, que é feito em parceria com mais 27 empresas e outras entidades, motivou um coro de dúvidas vindas de legisladores, bancos centrais e reguladores. Entre as questões levantadas estavam os desafios legais (incluindo a possibilidade de lavagem de dinheiro), o possível impacto no sistema monetário e ainda os riscos de privacidade, um tema que tem sido um problema para o Facebook nos últimos anos. Recentemente, um membro do conselho executivo do Banco Central Europeu, o francês Benoit Coeure, disse estar “fora de questão” deixar o Facebook “desenvolver as suas actividades de serviços financeiros num vazio regulatório”.

Marcus (um antigo presidente do PayPal) fez questão de afirmar no Senado que a libra não será um activo no qual os utilizadores poderão investir. “A libra é uma ferramenta de pagamentos, não um investimento. As pessoas não vão comprá-la e ficar com ela como fariam com uma acção ou um título de dívida, esperando que pague dividendos ou aumente de valor. Em vez disso, a libra é como o dinheiro. As pessoas vão usá-la para enviar dinheiro para familiares noutros países, por exemplo, ou para fazer compras.” Embora não as tenha nomeado, David Marcus também distanciava assim a libra de criptomoedas como a bitcoin, que são muito voláteis e que são vistas pela generalidade dos utilizadores como um investimento especulativo.

Aquela não é a única diferença em relação à bitcoin. Embora assente na mesma tecnologia de blockchain que as criptomoedas, a libra será gerida de forma centralizada. Para isso, foi criada uma associação de 28 empresas, entre as quais a Visa, a Mastercard, o PayPal, o Spotify e a Uber (bem como a Farfetch, um retalhista online de moda britânico que tem boa parte das operações em Portugal). A associação tem sede na Suíça e estas empresas contribuirão com, pelo menos, dez milhões de dólares cada, para que a libra tenha uma reserva que garanta a liquidez e evite grandes oscilações de valor. A libra estará indexada a um cabaz de divisas, entre as quais o dólar, o euro, a libra esterlina e o iene.

David Marcus afirmou que o objectivo do Facebook não é competir com as divisas dos países. “As divisas na Reserva da Libra estarão sujeitas às políticas monetárias dos respectivos governos – políticas que esses governos continuarão a controlar. A Associação Libra, que vai gerir a reserva, não tem intenção de concorrer com qualquer divisa soberana ou de entrar no jogo da política monetária.”

O Facebook será o responsável pela carteira digital, chamada Calibra, em que a libra poderá ser guardada e através da qual poderá ser gasta.

Quando foi questionado por um senador sobre a protecção dos dados, Marcus deu uma resposta curta na qual afirmou que a Calibra e a rede social tinham infra-estruturas informáticas “separadas”. Também clarificou que outras empresas poderão desenvolver carteiras digitais para a libra, mas que o Messenger e o WhatsApp (as duas aplicações de conversação da rede social) só irão incorporar a Calibra.

Marcus foi ainda questionado sobre o que faria o Facebook quando as pessoas usassem a libra para transacções que poderiam ir contra as posições de “um local extremamente de esquerda” como Silicon Valley. “O Facebook é uma empresa em que as pessoas e ideias de todo o espectro político são bem-vindas e tratadas da mesma forma”, respondeu o executivo. “As pessoas, desde que tenham um uso legítimo do produto, podem fazer o que quiserem com o dinheiro delas. É claro que haverá algumas restrições num produto regulado”, acrescentou, explicando que essas restrições ainda não estão definidas.

David Marcus foi questionado no Senado durante cerca de duas horas e meia. Nesta quarta-feira irá depor perante o Congresso.

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