Turismo impulsiona queixas contra rent-a-car. Bruxelas força mais transparência

Clientes têm direito a informação mais clara sobre preços, serviços e contratos. Em Portugal, houve cinco queixas por dia em 2018.

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A Goldcar é a empresa com mais queixas na lista das reclamações registadas no Portal da Queixa Nelson Garrido/Arquivo

Alguma vez reservou online um carro e veio a descobrir, chegando ao balcão da empresa, que teria de pagar mais? Quem faz a pergunta é a Comissão Europeia, que promete que esse tempo acabou – ou está a acabar. Bruxelas negociou novas regras com cinco das maiores empresas de rent-a-car para tornar o preçário “plenamente transparente” e melhorar a forma como as cláusulas contratuais são comunicadas aos clientes. Em Portugal, o sector antecipou-se às mudanças com a revisão da lei em 2018, mas mesmo assim o número de queixas continuou a subir. A Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), que tutela estes processos, registou quase cinco queixas por dia em 2018, um aumento de quase 12,6% face a 2017, no primeiro semestre de 2018. Já no Portal da Queixa, uma plataforma online de consumidores, esse número quase duplicou. E no Centro Europeu do Consumidor, o aumento foi de 30% face a 2017.

“É realmente frustrante começar as férias tendo de pagar custos adicionais imprevistos e lendo contratos complicados”, diz Vera Jourová, comissária europeia com a pasta dos Consumidores. Para o secretário-geral da Associação dos Industriais de Aluguer de Automóveis sem Condutor, que representa o sector em Portugal, as mudanças anunciadas por Bruxelas apenas “pecam por tardias”, mas Joaquim Robalo de Almeida diz que é preciso colocar os dados em perspectiva. Isto porque 2000 queixas num país como Portugal, onde em 2018 se celebraram 2,75 milhões de alugueres, representam 0,07% dos contratos.

O mesmo responsável aponta que as mudanças na legislação nacional incorporaram todas as formas de defesa do consumidor, mas reconhece que há uma enorme pressão sobre um sector que registou um crescimento expressivo. Entre 2013 e 2018, o número de contratos aumento 40%, de 1,95 milhões para 2,75 milhões.

Para Bruxelas, no entanto, é preciso mais transparência. E por isso começou, ainda em 2015, a pressionar os maiores operadores no sentido de melhorar a informação ao cliente, quando era notório o crescimento do número de queixas. Ao PÚBLICO, o Centro Europeu do Consumidor confirma que 25% das queixas recebidas no ano passado dizem respeito ao rent-a-car. "É um dos temas que nos têm preocupado bastante”, confirma uma responsável das relações públicas deste centro. Natália Leite aponta a expansão do turismo e da mobilidade de trabalhadores no espaço europeu como razões que ajudam a explicar uma pressão maior sobre o sector. Um cenário que Joaquim Robalo de Almeida também reconhece e, por isso mesmo, foi objecto de mudanças profundas, para não comprometer uma actividade vital numa economia que depende fortemente do turismo.

Em termos europeus, dois terços do mercado é dominado por cinco empresas: Avis, Europcar (que inclui a Goldcar), Enterprise, Hertz e Sixt. Todas elas, diz a comissão europeia, aceitaram medidas para melhorar a transparência. Porém, “até à data, as empresas em causa não tinham aplicado integralmente alguns desses compromissos”, refere o executivo comunitário que, numa apreciação publicada nesta segunda-feira, constata que duas delas (Entreprise e Sixt) já fizeram todas as adaptações, que a Avis prometeu completar as mudanças até Maio e que a Europcar completará esse processo até Junho. Só a Hertz está mais atrasada: as melhorias chegarão “o mais tardar, no primeiro trimestre de 2020”, diz Bruxelas.

Preços e contratos mais claros

Entre os aspectos que tiveram ou ainda vão mudar destaca-se a forma de apresentar preços e contratos. A comissão exigiu aos operadores que incluam todos os encargos no preço total da reserva; que descrevam claramente, em todas as línguas nacionais, os principais serviços de aluguer; e que clarifiquem, na proposta de preço, o valor e os pormenores de extras opcionais, em especial do seguro contra danos.

Desta forma, quem reserva um carro num país estrangeiro tem o direito a receber documentos num idioma que ele compreenda, evitando-se que assine qualquer contrato sem poder ler o que nele consta.

Com estas mudanças, pretende-se ainda que o preço apresentado ao cliente no momento da reserva corresponda ao preço final a pagar, incluindo todos os custos adicionais (taxa de combustível, de aeroporto, suplemento de condutor jovem ou taxa de sentido único, se o local de entrega for diferente do local de recolha). E que se acabe também com as situações em que o cliente tem de lidar com informação “pouco clara ou enganosa”, como diz Bruxelas, sobre as características do aluguer, tais como limites de quilometragem, política de combustível, de cancelamento e outros requisitos. Finalmente, é obrigatório em termos de seguro que seja claramente indicado ao cliente, antes de este assinar, o que está coberto pelo preço-base em termos de danos e o que o condutor pode ter ainda de pagar.

Dados do Portal da Queixa referentes a Portugal mostram que em 2018 houve 495 queixas, contra 259 no ano anterior, um aumento de 91%. E desde 1 de Janeiro de 2019 até 24 de Março, foram registadas 103 reclamações contra empresas deste sector, de acordo com a mesma fonte. O que dá uma média de uma queixa por dia, em números redondos. Estes dados não são oficialmente reconhecidos, dado que o Portal da Queixa é uma plataforma online, uma espécie de rede social de consumidores.

Os principais motivos dessas queixas registadas desde 1 de Janeiro de 2019 dizem respeito a cobranças indevidas (51% das reclamações), mau atendimento/falta de informação (36%) e avarias nos veículos entregues aos clientes (13%). A Goldcar é a marca mais visada no Portal da Queixa, seguida da Europcar (que detém a Goldcar), da Interrent, da Sixt e da Rentalcars.

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