Banco de Portugal acusa Governo de pôr em causa independência com reforma da supervisão

Banco central e supervisor do sistema bancário considera que a sua inclusão no perímetro da Inspecção-Geral das Finanças violaria a Constituição e o direito europeu.

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Enric Vives-Rubio

A intervenção da Inspecção-geral de Finanças junto do Banco de Portugal, tal como prevista na proposta do Governo para a reforma do sistema de supervisão financeira, "colide de forma relevante” com a independência do regulador. É isto que a entidade liderada por Carlos Costa tem a dizer sobre o diploma que há duas semanas passou pelo conselho de ministros. Na opinião do Banco de Portugal (BdP), expressa num parecer divulgado na quarta-feira, “uma excessiva interferência" na autonomia de gestão “limitará o Banco de Portugal na sua capacidade de gerir adequadamente” os meios que tem para cumprir as “suas missões”.

Como o PÚBLICO já tinha noticiado a 7 de Março, a reforma do sistema de supervisão financeira vai permitir, segundo a proposta do Governo, que os deputados da Assembleia da República passem a poder dar início, através de uma recomendação, a um eventual processo de exoneração do governador do Banco de Portugal. O projecto do executivo retira ao Banco de Portugal o papel, até agora desempenhado, de autoridade macroprudencial nacional e de autoridade de resolução nacional, reforçando ao mesmo tempo o controlo a que fica sujeito.

Num extenso parecer de 127 páginas (PDF aqui), o BdP alude à alínea 6 do artigo 54.º, que estabelece “indirectamente, a sujeição do Banco ao regime de inspecção e auditoria dos serviços do Estado”, incluindo-o “no perímetro da actuação da Inspecção-Geral de Finanças” (a IGF). Ora, a IGF depende do ministério das Finanças, mas “nem a lei orgânica do Banco nem a Lei Orgânica do Ministério das Finanças estabelecem competências do ministério para a realização de inspecções ou auditorias” ao BdP. “Logo, nunca as atribuições da IGF poderão ter tal extensão”. Caso contrário, desvirtua-se “as próprias regras legais de relacionamento” entre BdP e Ministério das Finanças, sustenta o parecer.

Na “análise geral”, o BdP “entende que diversos aspectos do projecto de proposta de lei colocam em causa a independência”, violando “o enquadramento constitucional” bem como “o Direito da União Europeia”. Em concreto, o parecer é desfavorável à criação de um sistema de indicadores de desempenho, que teriam de ser submetidos ao Governo “para efeitos de emissão de despacho”. Ou seja, “está implícita a instituição de uma nova instância de controlo por parte do Governo, atentatória do estatuto de independência”.

Em contrapartida, o BdP defende no parecer que deve continuar sob a jurisdição do Tribunal de Contas, “em conformidade com o estatuto constitucional e o Direito da União Europeia aplicável ao Banco”. Deve ainda “manter um grau de ampla autonomia relativamente à gestão” de recursos humanos, financeira e patrimonial, que é “essencial” para que o BdP “possa exercer cabalmente as suas funções” enquanto banco central e supervisor, lê-se no parecer agora disponibilizado.

Outra crítica incide na proposta para a reforma da organização interna do BdP. Segundo o parecer, o executivo propõe “um extenso conjunto de parâmetros” e de “princípios de difícil parametrização”. “Abre-se, por esta via, caminho a um controlo quase de pormenor com amplíssima margem de discricionariedade”, sustenta o regulador, alertando que “este controlo, sendo efectuado por entidades externas ao Banco de Portugal, e em especial pelo Governo, compromete o estatuto de independência”. 

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