Obrigado, sr. ministro – mesmo que não tenha razão

Matos Fernandes arrisca errar? Talvez. Os grandes oráculos também falham, ou não tivesse Cavaco Silva dito, também, que “os portugueses podem confiar no BES”.

A 13 outubro de 1987, numa entrevista à RTP, Cavaco Silva disse suspeitar que na Bolsa de Lisboa se estava a vender “gato por lebre”. Houve quem lhe desse atenção e se desfizesse dos títulos; e houve quem preferisse guardar as ações mais uns tempos. Vivia-se a loucura das OPV e nem todos quiserem acreditar no professor de Finanças. 

Sete dias depois já os jornais noticiavam o maior crash nas finanças internacionais, com uma queda recorde do Dow Jones. Dias 19 e 20 foram horríveis em Wall Street. O aviso fora dado, mas nem todos souberam ouvir.

Saltemos uns anos. Para 2015, 15 de fevereiro, quando Jorge Moreira da Silva, ministro do Ambiente, fez entrar em vigor a taxa que impunha um custo de dez cêntimos aos sacos de plástico dos supermercados.

Foi um arraial. Que de nada serviria, que toda a gente iria partir os ovos antes de chegar a casa, que faltariam sacos para o lixo, que as empresas ligadas à impressão do plástico acabariam por falir e que i Estado nada arrecadaria. Foi há três anos e hoje poucos clientes gastam os dez cêntimos.

Vamos às compras de saco debaixo do braço, não porque o preço é alto, mas por se ter ganho consciência de que o plástico é nocivo.

Chegámos ao presente, à semana em que um sucessor de Jorge Moreira da Silva veio alertar para que, dentro de quatro anos, os carros a diesel podem valer pouco. É “muito evidente que quem comprar um carro a diesel, muito provavelmente, daqui a quatro ou cinco anos não vai obter grande valor na sua troca”, disse Matos Fernandes.

Tanto bastou para que comerciantes, associações e até o presidente do ACP saíssem a terreiro denunciando alarmismo. Chegou-se ao ponto de dizer que esta declaração poderia afetar a continuidade das linhas de montagem de automóveis em Portugal e acenou-se o sempre eficaz fantasma de fecho da Autoeuropa – como se as fábricas apenas soubessem montar unidades a gasóleo. Como sempre, o alarme fez-se ouvir. Não tanto o alerta do governante, mas o dos seus antagonistas. Percebe-se que os homens ligados ao negócio assim tenham reagido; é mais difícil entender porque alinhou no coro o ACP, supostamente um clube que defende os interesses dos automobilistas, que não o dos fabricantes.

Porém, alguém recordou que poderíamos estar numa situação semelhante à de quem comprou excelentes máquinas fotográficas em vésperas da entrada no mercado das digitais. Queiram ou não os amigos do gasóleo, a consciência hoje instalada é de que os carros com este combustível caminham para o fim. Uma rápida pesquisa na internet permite ver que os a gasolina ganham terreno e, principalmente, que muitos fabricantes passaram a apostar neste combustível ou na sua conjugação com a eletricidade, deixando o diesel fora das opções, pelo menos para alguns modelos. Honda, Fiat, Mitsubishi, Porsche, Nissan, Toyota, Opel e Volvo, entre outros, estão neste caminho. Em maio do ano passado, a comissária europeia com a tutela da industria, Elzbieta Bienkowska, afirmou que os contestados motores dentro de “alguns anos vão desaparecer por completo” (“soon disappear” disse ela), que “estão acabados” (“finished”, afirmou), que têm “uma tecnologia do passado”, segundo transcrições facilmente visíveis na internet.

Parece, portanto, que a sentença está lida. Mas ao que assistimos, salvo raras exceções, foi a um desfilar de opiniões conservacionistas – como quase sempre acontece quando alguém alerta para uma ameaça futura. Espanta o silêncio dos ambientalistas, só explicável se os órgãos de comunicação social optaram por ouvir apenas as “forças vivas do setor”: comerciantes, vendedores e garagistas.

É evidente que prever é sempre arriscado. Conta-se que um conselheiro disse a Thomas Edison para não investir nos telefones porque, para que meio mundo estivesse a telefonar, seria necessário que a outra metade estivesse a mudar cavilhas. Um presidente da IBM, Thomas Watson, previa, em 1947, que no mundo haveria cinco computadores e o próprio Bill Gates garantia, em 1981, que 640 mil bytes seriam suficientes para os computadores pessoais, quando hoje têm entre quatro e oito mil milhões. A Kodak guardou na gaveta a proposta pioneira para construção de uma máquina digital, e faliu por ninguém, de súbito, comprar mais filmes ou rolos.

Matos Fernandes arrisca errar? Talvez. Os grandes oráculos também falham, ou não tivesse Cavaco Silva dito, também, que “os portugueses podem confiar no BES”.

É possível que os carros a diesel estejam já hoje a perder valor e daqui por quatro anos voltem a estar em alta. Até pode ser que a dificuldade na reciclagem das baterias atrase os elétricos. Sabe-se: as previsões são sempre feitas com o conhecimento que se tem no momento e não de acordo com a ciência que há de chegar.

Obrigado senhor ministro, avisou e, principalmente, fez bem em relançar a questão. A verdade é que o carro está a andar.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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