PlayStation Classic, nostalgia dissonante

Sendo uma réplica 45% mais pequena do que o original, a consola da Sony conquista no hardware. Mas problemas de desempenho e uma escolha questionável de jogos deixam o encanto a meio termo.

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A réplica é 45% mais pequena do que a original Sony

Pedaços de plástico que abrem janelas para outrora, as novas versões de consolas antigas continuam a chegar ao mercado, com a Sony a adoptar a mesma estratégia que deu suculentos frutos à Nintendo. A PlayStation Classic, uma versão em miniatura da primeira consola da casa nipónica, conta com duas dezenas de jogos e um formato que provoca suspiros, mas não cumpre totalmente a sua missão de rebobinar a linha temporal da vida dos jogadores.

Julgo que ninguém retira importância à caixa cinzenta, particularmente no papel que desempenhou nos videojogos 3D. Falar de videojogos é falar da PlayStation e falar da PlayStation é parcialmente compreender como chegamos a 2018. A questão com esta versão é que, além da selecção de títulos não ser a mais consensual, há lacunas na emulação, a que se junta a noção de que algumas das obras não envelheceram particularmente bem, o que retira ao gozo e é uma machadada na emoção.

Além da consola, estão incluídos dois comandos DualShock dentro da caixa, assim como um HDMI para fazer a ligação à televisão, e um cabo de alimentação – o carregador que liga à tomada eléctrica fica a cargo do consumidor. Os comandos permitem sessões multijogador local desde o primeiro minuto nos jogos que as suportam, porém, uma vez que a escolha recaiu sobre a primeira versão do acessório, não há botões analógicos, nem motores de vibração. Na prática, como têm a mesma forma que o DualShock 4 usado centenas de horas actualmente na PlayStation 4, as primeiras horas serão certamente de adaptação à ausência dos botões.

A dissonância entre hardware e software não demora muito a fazer-se notar. Saída da caixa, a PlayStation Classic, graças às suas dimensões reduzidas, traz consigo o encanto de reavivar memórias que pensava já não ter. Plástico cinzento que é exemplo da humanização da tecnologia, dos videojogos e de um passatempo que na altura estávamos longe de adivinhar chegar a tantos. Os problemas começam a surgir quando se começa a explorar o que está dentro da consola, não demorando muito até se sentir o outro lado da tecnologia, o lado mais frio e distante.

Esse afastamento começa a surtir efeito quando se repara, mais do que nos jogos que foram incluídos, naqueles que ficaram excluídos. Entre as duas dezenas de obras estão nomes como Cool Boarders 2, Destruction Derby, Grand Theft Auto, Metal Gear Solid, a versão director’s cut de Resident Evil, Ridge Racer Type 4, Tekken 3, Oddworld: Abe's Oddysee, Syphon Filter, e até aventuras que ocupam uma porção ainda mais considerável de horas, como Final Fantasy VII, Revelations: Persona e Wild Arms. Houve também espaço para Rayman, Tom Clancy’s Rainbow 6 (complicado de ser experimentado sem analógicos) e Twisted Metal, nomes que muitos jogadores já ouviram, mas que se calhar nunca tiveram oportunidade de explorar até à raiz.

Alguns dos quais, como Revelations: Persona, podem parecer escolhas peculiares, mas torna-se menos estrano se tivermos em consideração que Battle Arena Toshinden, Intelligent Qube, Jumping Flash, Mr Driller e Super Puzzle Fighter II Turbo também foram incluídos. Possivelmente por questões burocráticas de direitos e licenças, a consola não conta com alguns dos nomes que lhe deram nome, como Gran Turismo e Silent Hill, mas também Crash Bandicoot, PaRappa the Rapper, Castlevania: Symphony of the Night, entre muitos, muitos outros. Só mais um trio de exemplos para perceberem o potencial que ficou de fora:  Legacy of Kain: Soul Reaver , Ape Escape e Tomb Raider.

Seria sempre impossível delinear uma lista que agradasse a todos os fãs saudosistas, mas a amostra também não é apresentada da melhor forma. Com a PlayStation Classic ligada a uma televisão moderna, nota-se que alguns dos títulos não envelheceram de forma graciosa. Além das barras pretas que não podem ser disfarçadas com molduras digitais (como, por exemplo, na Nintendo Classic Mini), a representação da tridimensionalidade das obras não lhes faz grandes favores.

Muitos dos elogios feitos às pequenas consolas da Nintendo estavam relacionados com a magia dos jogos. Aqui, essa magia perde-se numa boa parte do catálogo disponibilizado, pois o aspecto gráfico e a performance subtraem à diversão. Mais tecnicamente, quase metade dos jogos – nove dos vinte incluídos – tem uma emulação baseada na versão PAL, ou seja, a resolução é superior à versão NTSC, mas os gráficos são apresentados a 50Hz e não a 60Hz. Isto resulta numa representação de fotogramas dissonante entre o espectro do catálogo, algo que é agravado pelo facto de a saída da PlayStation Classic estar preparada para lidar com os 60Hz. 

Há momentos em que estamos inteiros a reviver estas experiências, especialmente nos títulos 2D ou menos dependentes da fluidez, mas obras como Cool Boarders 2 ou Ridge Racer Type 4 mostram o conteúdo que conquistou legiões de fãs, embora amachucado pelo tempo. Além disso, ocasionalmente sente-se que é preciso ter algum cuidado e até afastamento para não deixar as novas sensações denegrirem a memória das versões originais.

A PlayStation Classic é isto: uma janela para quem quiser compreender um dispositivo importante na história dos videojogos, mas não a melhor janela possível. Sente-se o encanto, e é inegável que o aspecto da consola – tal como alguns sons dos menus e dos ecrãs de carregamento – continua a ser carismático. Os jogos incluídos, porém, compõem uma lista pouco consensual e com diversos problemas de performance.

O preço inicial também não ajuda: quando chegou ao mercado, no início de Dezembro, a PlayStation Classic custava 99,99 euros, valor que já foi reduzido em algumas grandes superfícies, ficando por esclarecer se o corte no preço será permanente. No fundo e por tudo, a PlayStation Classic é um meio-termo e certamente não é feita justiça ao legado e à importância que a consola original tem para a própria Sony e para milhões de jogadores.

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