A noite mais longa do Parlamento Europeu em Estrasburgo

Eurodeputados, membros dos seus gabinetes e funcionários do Parlamento Europeu ficaram fechados no edifício até às 2h de quarta-feira após o ataque no centro de Estrasburgo. Ana Gomes discutia um relatório sobre terrorismo à hora do tiroteio.

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LUSA/PATRICK SEEGER

Estava a ser “uma terça-feira cheia de reuniões”, como habitual, no Parlamento Europeu (PE) em Estrasburgo, e o edifício ainda se encontrava repleto de eurodeputados quando, cerca das 20h locais, a notícia de um ataque armado no centro daquela cidade francesa, que causou pelo menos três mortos, levou ao seu encerramento com grande parte dos parlamentares ainda no interior.

Só depois das 2h locais de quarta-feira, menos uma hora em Portugal continental, é que os eurodeputados, membros dos seus gabinetes e funcionários do Parlamento — cerca de 2000 pessoas no total — puderam regressar às suas casas e hotéis. Ao PÚBLICO, os eurodeputados portugueses Carlos Coelho e Ana Gomes descrevem uma longa noite de trabalho e convívio, mas também de constante monitorização das redes sociais e da imprensa perante a incerteza vivida na capital da Alsácia.

Cantina cheia e olhos no Twitter

A maioria dos parlamentares, contam, encontrava-se ainda a trabalhar quando os serviços do PE decretaram o encerramento do edifício. Os eurodeputados que à hora do ataque tinham optado por jantar no centro da cidade ou visitar o mercado de Natal foi aconselhados a regressar de imediato ao PE, explica o social democrata Carlos Coelho. Alguns, porém, já não conseguiram sair dos restaurantes, também encerrados por precaução. Não há no entanto qualquer informação de que algum eurodeputado, membro do seu staff ou funcionário do PE tenha sido vítima do ataque desta noite.

No PE, a cantina acabou por se tornar num ponto de encontro dos eurodeputados nesta noite longa. “A cantina estava cheia como nunca acontece ao jantar. Parecia o almoço”, disse Carlos Coelho. Noite fora, os bares do edifício também se tornaram em locais de convívio para os parlamentares.

Houve também quem permanecesse no hemiciclo, numa das mais tardias sessões do PE, à espera de novas informações. Outros, como Ana Gomes, optaram por permanecer nos seus gabinetes, mas atentos ao que se passava no exterior. “Há muito trabalho para fazer mas não consigo concentrar-me. Estou a acompanhar o Twitter e a televisão”, disse ao PÚBLICO. Dormir era difícil. Os gabinetes são pequenos e não possibilitavam um descanso confortável no seu interior. Não existem camas, apenas alguns bancos onde era possível deitar. Mas a socialista não se queixava: “Estamos melhor do que os colegas que ficaram fechados nos restaurantes”.

Ana Gomes discutia relatório sobre terrorismo à hora do ataque

A eurodeputada portuguesa, membro da comissão especial do PE sobre terrorismo, trabalhava nesta terça-feira na discussão do seu mais recente relatório, cuja votação estava prevista para quarta-feira. O documento inclui um vasto conjunto de recomendações que vão do reforço da cooperação entre serviços de informação, polícias e magistraturas dos Estados europeus, até ao combate ao financiamento do terrorismo.

Neste último capítulo, acusa a eurodeputada socialista, os Estados-membros têm sido “absolutamente laxistas” ao não cumprir a legislação europeia contra o branqueamento de capitais. Ao PÚBLICO, Ana Gomes alerta para o papel de fundações culturais e obras sociais ligadas a países do Golfo, e pede um maior “investimento público na inclusão social, na prevenção de casos individuais de alienação e de processos de radicalização”.

O investimento público, diz, é também necessário nas prisões europeias, “não só nas condições de segurança mas também de reabilitação” dos detidos. Bem como, alerta, no escrutínio de agentes religiosos enviados para as prisões que, em vários países europeus, têm tido um papel na radicalização de reclusos.

Ao mesmo tempo, Ana Gomes adverte contra a “argumentação estigmatizante” relativa às comunidades muçulmanas, afirmando que estas são aliadas na luta contra o terrorismo. Bem como o seu principal alvo: “95% das vítimas do terrorismo são muçulmanas”. E recorda que o terrorismo de extrema-direita está a aumentar na Europa.

Medidas excepcionais não evitaram tiroteio

Expressando solidariedade para com as vítimas, Carlos Coelho recomenda “prudência” na reacção ao ataque. “Não tenho por evidente que tenha sido um atentado terrorista. Trata-se de um criminoso, de uma pessoa que já estava referenciada”, disse em relação ao presumível suspeito do tiroteio, um francês de 29 anos que ainda se encontrava a monte horas após o incidente. Coelho sublinha contudo que “não podemos tolerar seja quem for que pratique um acto criminoso conta inocentes”.

Carlos Coelho alerta ainda contra a tentação dos discursos securitários. “Nunca houve tanta segurança como neste mercado de Natal”, notou. O mesmo afirma Ana Gomes, recordando as excepcionais medidas de segurança que já estavam em vigor no centro de Estrasburgo, com a revista de todas as malas e sacos dos visitantes do popular mercado.

“São acontecimentos muito difíceis de evitar, por mais preparadas ou por mais meios que as autoridades mobilizem”, disse a socialista, sublinhando que a ameaça não escolhe lugar: "Para o terrorismo, não há jardins à beira-mar plantados".

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