Ministra da Cultura de Israel contra a arte “desleal” à pátria

Governo de Jerusalém aprova projecto de lei que pode levar à exclusão de subsídios a produções culturais que ponham em causa o Estado judaico.

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Miri Regev Dan Balilty/ REUTERS

Para já, é apenas ainda uma proposta de lei, mas que está a aumentar o fosso entre a ministra da Cultura de Israel, Miri Regev, e o mundo das artes no país: o Governo de Jerusalém aprovou, no passado domingo, um projecto de lei elaborado pela responsável pela pasta da Cultura e Desportos, e também pelo ministro das Finanças, Moshe Kahlon, com vista a dotar estes governantes da possibilidade de excluir de apoios estatais produções – filmes e peças de teatro, por exemplo – promovidas por qualquer instituição, organização ou evento que negue a existência de Israel como estado judeu e democrático, que ataque a bandeira nacional, incite ao racismo e ao terrorismo, ou ainda se refira ao Dia da Independência – a data, anualmente assinalada entre Abril e Maio, que celebra a fundação do Estado de Israel em 1948 – como um dia de luto. E esta é uma referência explícita à população da Palestina, que, nesse mesmo dia, evoca antes a “Nabka” (“desastre” em árabe), ou seja, o êxodo de 700 mil palestinianos precisamente provocado por aquele evento histórico.

“Estou muito contente que esta lei tenha sido adoptada pela comissão ministerial. Ela vai a seguir ser apresentada à Knesset para ser adoptada, se Deus quiser, no próximo mês. Sim à liberdade da cultura, não às provocações”, regozijou-se Miri Regev, numa declaração no Facebook.

De facto, a decisão final quanto a este projecto de lei caberá agora ao Parlamento (Knesset) de Jerusalém. Mas as reacções negativas à sua eventual aprovação já começaram, nomeadamente pela voz da líder da oposição, Tzipi Livni, ex-ministra e dirigente do partido Kadima, que, citada pelo jornal Le Figaro, considerou que "exigir lealdade nas artes é uma nova etapa para fazer calar a liberdade de expressão e forçar a cultura a ser a porta-voz do Governo”.

Ainda segundo o jornal francês, o próprio primeiro-ministro manifestou algum mal-estar pelo texto da proposta de lei: citando um tweet dum jornalista da rádio do Exército israelita, Benjamin Netanyahou terá lamentado o atropelo "à liberdade de expressão" que está implícito no projecto de lei enviado ao Parlamento.

Mas este é apenas mais um episódio da relação conflituosa que a ministra Miri Regev, considerada "a mais à direita de sempre" no país, vem tendo com o mundo das artes e da cultura. Depois de ter anunciado que os artistas podem continuar a dizer o que quiserem, mas que não haverá dinheiros públicos para quem “denegrir o país ou o exército”, Regev voltou a criar polémica, no ano passado, quando acusou a academia de cinema israelita de candidatar à nomeação para o Óscar de melhor filme estrangeiro Foxtrot, de Samuel Maoz, considerando tratar-se de uma obra que “suja a imagem do exército”.

Filme sobre a intimidade e as emoções das pessoas que habitam um país em permanente estado de guerra, Foxtrot tinha vencido o Leão de Prata relativo ao Grande Prémio do Júri no Festival de Veneza em 2017, e arrecadou também oito distinções da academia israelita, entre as quais as de melhor filme e melhor realizador – em retaliação às declarações, Miri Regev não foi convidada para a cerimónia de entrega dos prémios.

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