A vida privada de Tamara Jenkins

Private Life, que saiu no Netflix, é apenas o terceiro filme da realizadora norte-americana numa carreira de mais de 25 anos.

Foto
Kayli Carter, Kathryn Hahn e Paul Giamatti em Private Life DR

É uma pena que Private Life, que saiu no início de Outubro no Netflix, seja apenas a terceira longa metragem de Tamara Jenkins em mais de 25 anos de carreira. A realizadora e argumentista responsável por pérolas como Slums of Beverly Hills, de 1998, e Os Savages, de 2007, ambos filmes que não tiveram estreia comercial em Portugal, tem muito para dar ao mundo em termos de comédias dramáticas idiossincrásicas que não têm pressa de chegar a lado nenhum e são inspiradas pela sua vida pessoal, além de terem sempre elencos notáveis. E devia ter mais do que um filme por década.

Slums, com Natasha Lyonne, Marisa Tomei e Alan Arkin, olhava para a educação pouco convencional da realizadora, cujo pai pobre mudava a família para as casas mais baratas de Beverly Hills para poder dar acesso aos filhos a uma melhor educação, enquanto Savages, com Laura Linney e Philip Seymour Hoffman, mostrava uma irmã e um irmão a verem-se obrigados a cuidar da demência do pai. 

Private Life, com a invariavelmente impressionante Kathryn Hahn e Paul Giamatti, lida com as tentativas de um casal nova-iorquino infértil a tentar ter um filho depois dos 40, seja por fertilização in vitro ou adopção. São os dois dados às artes – ele, um encenador, é gerente de uma marca de pickles, ela é escritora –, e adiaram ter filhos para cuidarem das suas carreiras – num dos melhores diálogos do filme, ela culpa a segunda vaga de feminismo e Gloria Steinem pela infertilidade. É baseado, em parte, nos esforços que a realizadora e o marido, Jim Taylor, o parceiro de escrita de Alexander Payne – e com quem ela co-assinou o argumento de Juliet, Nua, de Jesse Peretz, que esteve nas salas portuguesas este ano. Na sua obra, Tamara Jenkins trata temas pessoais que, como ela diz em entrevistas, não são propriamente os mais apelativos para conseguirem financiamento (a demência na terceira idade e a infertilidade não são, alega, sexy para investidores), o que poderá explicar a pouca prolificidade dela.

Mas são temas que, até agora, têm funcionado bem, seja pela escrita ou pela atenção dada pela realizadora aos actores, que aqui incluem também a novata Kayli Carter como uma jovem possível dadora de óvulos, a ex-Saturday Night Live Molly Shannon, que abrilhanta tudo aquilo em que aparece e John Carroll Lynch, presença assídua do cinema indie norte-americano – e o realizador de Lucky. É um elenco que parece ter sido talhado para o equilíbrio entre comédia e drama que ela procura (e consegue encontrar), com muito de desconfortável, verdadeiro, doce, humano e hilariante pelo meio.

É verdade que, em termos de oferta de filmes originais, o Netflix por vezes deixa bastante a desejar – há alguém que se lembre de The Cloverfield Paradox, lançado de surpresa no serviço de streaming? Ao mesmo tempo, há milagres como Private Life, que talvez não existissem doutra maneira e, mesmo que fossem feitos, provavelmente não chegariam a Portugal a tempo e horas.

Sugerir correcção
Comentar