A Mata do Bussaco precisa de si!

É extremamente triste a notícia recente que dá conta de um “rasto de destruição nunca antes visto” provocado pela tempestade tropical (depressão, como se prefira) Leslie.

O Bussaco, ou Buçaco, tanto faz (garantem-me que ambas as grafias são válidas), caso haja ainda alguém por aí que o desconheça, é um dos poucos oásis do nosso país, uma raridade num território continental onde a paisagem é cada vez mais urbana e desoladora, ou seja, o Buçaco é uma das poucas jóias que nos restam e por isso mesmo um local por que vale a pena nunca deixar de amar e lutar.

E por Bussaco entenda-se Mata do Bussaco e os cerca de 100 hectares de biodiversidade que a perfazem intramuros, mas também o seu edificado, a história, o culto e as romarias que a enriquecem como a nenhum outro maciço verde do país: o Palace Hotel, o Convento de Santa Cruz, os passos da Via Sacra, as imponentes Portas que nos permitem aceder-lhe, os marcos da célebre batalha homónima, a sua arquitectura da água, os mirantes, etc., etc.

É por isso extremamente triste a notícia recente que dá conta de um “rasto de destruição nunca antes visto” provocado pela tempestade tropical (depressão, como se prefira) Leslie, que por ali deixou um cenário digno de uma invasão napoleónica, com dezenas de árvores pelo chão, caminhos obstruídos, sinalética partida, agravando o estado precário de alguns edifícios e, afiançam os noticiários, provocando “prejuízos incalculáveis” no Vale dos Fetos - e facilmente se imagina a dor de alma que tal visão provocará a quem conhece este local absolutamente mágico.

A fotografia que circula nos media, em se observa a Porta das Ameias obstruída por uma imensa árvore partida ao meio, é profundamente constrangedora e demonstrativa do grau de desolação a que a Leslie submeteu a Mata, e toda a região Centro, aliás.

E revolta. Duplamente.

Revolta porque tem sido notável o trabalho, melhor dizendo, o esforço titânico da Fundação Mata Nacional do Bussaco desde que foi criada em 2009, com o propósito da “recuperação, requalificação e revitalização, a gestão, a exploração e a conservação de todo o património, natural e edificado, da Mata Nacional do Buçaco” (exceptuando o monumento à batalha havida entre as tropas comandadas por Wellington e as oponentes lideradas por Massena, e ao Museu Histórico e Militar da Guerra Peninsular, ambos tutelados pelo Ministério da Defesa Nacional).

Com efeito, a Fundação, ou melhor, as pessoas (gente boa, competente e dedicada) que nela trabalham diariamente, tem-se desmultiplicado em mil e uma iniciativas (prova disso são o excelente material didáctico disponibilizado aos visitantes, o “trilho dos famosos” que dá corpo a uma série de plantações de árvores que hão-de vingar por muitos anos, a abertura de pequenas unidades turísticas em algumas casas já recuperadas, a organização de concertos, passeios temáticos, etc.), com vista a que a Mata recupere tão breve quanto possível a visibilidade que já teve (e que perdeu vai para 40 anos fruto de muita tropelias, abandono e desmazelo), para que assim possa atrair visitantes, parceiros, patrocinadores, mecenas ou, simplesmente, quem lá procure apenas o lazer, por entre a calma, o verde e o ar puro do eterno adernal, ou apenas a música da água a correr pelos inúmeros canais e pequenas cascatas.

Tem sido verdadeiramente ciclópica a tarefa das boas gentes do Bussaco, e já agora do Luso e da Mealhada, que fazem omeletes sem ovos, porque sem dinheiro, essa é a verdade, é extremamente difícil reerguer-se um parque em que paredes e telhados foram ruindo ao longo de décadas, capelas e esculturas foram vandalizadas, trilhos e caminhos foram sendo tapados pela Natureza, espécies animais e arbóreas maltratadas, e, porque não dizê-lo, onde um Palace Hotel também não ajuda a ser o chamariz que se impunha para toda a Mata, uma vez que se é verdade, e é, que o espírito do belíssimo edifício feito para reis, mas destruindo parte do convento carmelita ali existente para rapidamente ser adaptado a hotel, mantém todo o seu charme cenográfico decadente (e é bom que assim continue) exterior e interior, nas suas áreas comuns, praticamente intacto desde Luigi Manini (aquela casa de banho no piso térreo é uma autêntica maravilha!), também é verdade que a existência de vidros partidos nas janelas dos quartos, rachas e infiltrações várias nas paredes, mobiliário medonho nos quartos (inclusive os mais caros), esse não é propriamente o melhor cartão-de-visita a quem reclama estatuto de 5*****, fazendo-se cobrar por isso.

E revolta também porque há apenas 5 anos a Mata sofreu idênticos danos por força da passagem de um ciclone (John doe?), que originou, até, uma tomada de posição da Assembleia da República (Resolução nº 81/2015) no sentido da “recuperação urgente da Mata Nacional do Buçaco”.

Triste e revoltante porque o trabalho é sempre muito, como é apanágio de um património destes, e nunca acabará.

E porque a responsabilidade é agora maior, pois está em curso desde 2017 um mui-justo e nobre projeto cultural e ambiental no sentido deste Monumento Nacional (todo o conjunto denominado "Palace Hotel do Buçaco e mata envolvente, incluindo as capelas e ermidas, a Cruz Alta e tudo o que nela se contém de interesse histórico e artístico, em conjunto com o Convento de Santa Cruz do Buçaco” foi reclassificado Monumento Nacional em Janeiro de 2018) ser candidato à UNESCO.

É angustiante pensar que neste preciso momento são precisos meios e instrumentos ainda mais reforçados do que nunca para se acudir a mais esta ocorrência grave. Meios humanos e financeiros a que nenhuma Resolução da AR poderá valer se não houver repercussão na prática e no imediato (alô EEA Grants! Alô Mecanismo EEA Grants 2014-2021, que se prolongará até 2024! Help!).

É tempo de as terras do Bussaco reviverem os tempos de resistência ao invasor. Sendo que é bom não esquecer que ali perto há leitão assado e as termas da Curia.

Só espero que a árvore a que Arthur Wellesley atou o seu cavalo não tenha caído.

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