No fio da navalha...

O OE 2019 mostra-se fiel ao compromisso com a UE, no que ficará como um dos legados maiores da legislatura.

O OE 2019 encontra-se enquadrado por um compromisso do Estado Português para com a União Europeia: o Programa de Estabilidade 2018-2022, aprovado pelo Governo em Abril último. Este compromisso tem por trave-mestra a “consolidação sustentável” das contas públicas, traduzida nomeadamente na redução do défice público de 0,7% do PIB, em 2018, para 0,2% do PIB, em 2019. O OE 2019 mostra-se fiel a este compromisso, no que ficará como um dos legados maiores da legislatura (“tratar com respeito as gerações futuras”, na formulação adotada no sumário executivo do Programa de Estabilidade 2018-2022), tão apreciável como inesperado, se atendermos à composição da maioria parlamentar.

O acabado de expor, e de reconhecer, não implica que o exercício não seja levado a cabo “no fio da navalha”, excedendo, aqui e ali, limites de risco que a prudência recomendaria. O mais notório reside na taxa de crescimento do PIB para 2019, a que se encontra indexada a previsão das receitas, parecendo, hoje, os 2,2% manifestamente excessivos, atenta a evolução das previsões de crescimento da economia mundial, e da economia europeia em particular, por parte das grandes organizações internacionais (FMI, OCDE, Comissão Europeia).

Vejo também com a maior reserva o aumento extraordinário das pensões, consagrado, salvo erro, pelo terceiro ano consecutivo. A sustentabilidade da segurança social é hoje, em Portugal como em tantos outros países, uma questão maior. Deu lugar, entre outros resultados, a uma fórmula que se traduz por um aumento automático de todas as pensões, indexado ao crescimento do PIB e à inflação – se bem avalio, e se bem conheço os autores habituais destas fórmulas, no limite do que o sistema poderá comportar, de onde decorre que os aumentos extraordinários das pensões o atiram para fora da sustentabilidade. Não está em causa que as pensões mais baixas devam ter um tratamento privilegiado; está em causa a falta à coragem de reconhecer que, para que as pensões mais baixas possam ser privilegiadas, as pensões menos baixas terão de ser penalizadas, sob pena de insustentabilidade de todo o sistema.

O OE 2019, e a maioria política que haverá de aprová-lo, não mostram, de resto, grande apreço pelo português médio, acima, por pouco que seja, dos limiares da pobreza. Só não será castigado em IRS se o seu vencimento nominal tiver literalmente estagnado num ano em que a inflação deverá rondar 1,5%, ou seja, se o seu vencimento real tiver diminuído 1,5%. Tudo o que se revele melhor do que isto dará lugar a penalização, em resultado da manutenção do valor nominal dos escalões do IRS.

Há várias medidas dirigidas sobretudo à gestão da tesouraria do contribuinte: vai pagar o mesmo IMI, mas poderá pagar mais tarde do que em 2018; vai pagar o mesmo IRS sobre as horas extraordinárias e os suplementos de remuneração por trabalho em dias feriados ou de descanso, mas, entretanto, quando olhar para a folha de vencimento mensal e para os pagamentos por conta aí deduzidos, ficará com a ilusão de que vai pagar menos do que em 2018.

A medida que saúdo mais é a eliminação do PEC sobre as empresas (diz-se que por imposição do PCP). Uma empresa, ou tem lucro, e deve pagar IRC, ou não tem lucro, e não deve pagar, nem IRC nem PEC; se se desconfia de evasão, deve ser investigada, não podendo a questão ser resolvida por tributação em PEC, tenha, de facto, lucro ou prejuízo.

Permanece, à hora a que escrevo, uma grande incógnita: o que vai acontecer aos salários da função pública, para além do aumento de cerca de 550 milhões de euros por força do descongelamento de carreiras aprovado no OE 2018, com o grosso dos aumentos salariais correspondentes diferido para 2019.

Sugerir correcção
Comentar