Investigador sobre o Nobel da Medicina: “Esta estratégia já salvou muitas vidas”

Bruno Silva Santos também procura uma solução para o cancro através das imunoterapias.

Foto
O investigador Bruno Silva Santos IMM

Investigador português dirige, desde 2005, um laboratório dedicado à diferenciação de linfócitos T e à oncoimunologia no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa. Também ele procura uma solução para o cancro através das imunoterapias. Para já, aplaude com entusiasmo as conquistas de James P. Allison e Tasuku Honjo, vencedoras do Nobel da Medicina, explica como foram inspiradoras e por que são importantes.

Trabalha nesta área da imunoterapia contra o cancro há vários anos. Como viu este anúncio do Prémio Nobel?
Sim, exactamente. Em Portugal serei a pessoa que mais investigação faz directamente nessa área da imunoterapia do cancro. Há várias estratégias para usarmos o sistema imunitário contra o cancro. No meu laboratório exploramos uma estratégia diferente desta que foi agora premiada. Mas a que foi premiada agora foi a pioneira, serviu de inspiração para o nosso trabalho e de muitas mais equipas. E o mais importante é que já salvou muitas vidas. É uma estratégia que não só foi revolucionária do ponto de vista científico como também deu origem a tratamentos inovadores e que estão a ter muito impacto na clínica.

Como funciona esta terapia de checkpoints e em que tipos de cancro é aplicada actualmente?
Chamam-se inibidores de checkpoints ou bloqueio de checkpoints porque as duas moléculas que eles descobriram são os tais checkpoints, ou seja, os pontos de verificação ou de controlo dos linfócitos T, glóbulos brancos do sistema imunitário que têm a capacidade de destruir células tumorais mas que através destes checkpoints estão normalmente inibidos pelo cancro. Estes checkpoints existem porque os linfócitos T têm um potencial de causar doenças auto-imunes quando não são regulados e por isso, digamos, a natureza criou este mecanismo para evitar a auto-imunidade.

O que acontece é que o cancro tira partido desse mecanismo para se proteger a si próprio dos linfócitos T. A descoberta destes checkpoints e do seu potencial para, uma vez manipulados, permitirem imunoterapia do cancro eficaz deu origem a este Prémio Nobel. Realmente foi muito inovador. Há mais de cem anos que os imunologistas tentam fazer vacinas contra o cancro que não tinham eficácia e não se percebia porquê. James P. Allison e Tasuku Honjo mostraram que não tinham eficácia porque simplesmente os linfócitos T estavam travados à partida e esses travões não permitiam que eles arrancassem, tal como num carro. Uma vacina [contra o cancro], usando a mesma metáfora, funcionaria como uma espécie de acelerador do nosso sistema imunitário e, com os travões accionados, ela simplesmente não funcionava. Portanto, só com as descobertas deles houve a percepção de que seria necessário desengatar esses travões e impedir que sejam accionados pelo tumor para que os linfócitos possam ter a sua actividade antitumoral. O cancro onde isso tudo começou foi o melanoma [um tipo de cancro da pele], depois estendeu-se ao cancro do pulmão – um terço dos doentes com cancro do pulmão são tratados com esta imunoterapia como tratamento de primeira linha, depois o cancro do rim, da bexiga e o último a juntar-se a este grupo foi o cancro da cabeça e do pescoço. Temos cinco cancros em que está provada a eficácia desta imunoterapia. Obviamente há muitos outros tumores e muito importantes, como o cancro do cólon, da mama, da próstata, do pâncreas, em que ainda não está aprovada esta imunoterapia porque não está provado o seu valor terapêutico. Mas está-se a trabalhar muito nisso. E sobretudo está-se a procurar arranjar formas de combinar outras armas imunitárias para que se torne eficaz também nesses outros tipos de cancro.

Há mais travões nos linfócitos T?
Sim, podem existir mais. Está-se a investigar nesse campo. Estou agora no Brasil, na reunião da Sociedade Brasileira de Imunologia, durante a qual serão apresentados mais resultados nesse tipo de investigação. Há outras moléculas que podem funcionar como travões, mas se me perguntar, acho que estas duas identificadas por James P. Allison e Tasuku Honjo são as mais importantes. Mas, de facto, há outros que também podem ajudar a que o sistema imunitário seja ainda mais eficaz e talvez façam a diferença nalguns tipos de tumor que não têm tido o resultado esperado com as terapias disponíveis.

Ficar sem travões também acarreta alguns riscos. Estas imunoterapias podem ter graves efeitos secundários, certo? Essas reacções adversas podem ser controladas?
É verdade. Aliás, o interessante nessas reacções adversas é que são preditivas da resposta. Isto é: as pessoas que têm mais efeitos secundários são aquelas que vão responder melhor e que o cancro vai de facto regredir com a acção dessas terapias. Porque como nós estamos a desengatar esses travões e estamos a fazer com que o sistema imunitário fique muito potente, existe um possível efeito ao lado do alvo, em que ele acaba por atacar células saudáveis e isso dá origem a inflamação ou auto-imunidade. Por exemplo, no caso do melanoma um terço dos doentes que são tratados têm vitiligo, que é uma doença auto-imune da pele que faz com que despigmente, criando aquelas manchas brancas. É desagradável mas pode ser tratado enquanto o tumor que lá está mata. O importante é controlar o tumor. Esse preço a pagar da reacção inflamatória ou auto-imune pode ser controlada e não mata. Compensa.

Já disse que a sua abordagem não é pelos checkpoints. Pode falar um pouco da sua investigação?
A minha abordagem são as chamadas terapias celulares. Tiramos directamente células do sangue do doente e educamos as células no laboratório para as re-injectarmos outra vez. Nesse campo há também várias estratégias diferentes, há umas que serão as mais conhecidas que usam as chamadas células Car-T, e nós usamos as células DOT, de Delta One T, que são outro tipo de manipulação mas com o mesmo tipo de estratégia. Começámos com cancro do sangue, para o qual as descobertas que temos agora premiadas de James P. Allison e Tasuku Honjo não tiveram ainda os resultados pretendidas e, por isso, é um tipo de cancro em que houve uma necessidade de procurar alternativas. As terapias celulares serão as grandes promessas para termos um tratamento para esse tipo de cancro.

Sugerir correcção
Comentar