Prender os políticos por aquilo que dizem no combate político?

O STJ evitou não só uma injustiça como uma enorme vergonha para a justiça portuguesa e para o nosso país.

O passado dia 5 de Setembro foi um dia auspicioso para a Justiça portuguesa: nesse dia, o Supremo Tribunal de Justiça evitou não só uma injustiça como uma enorme vergonha para a justiça portuguesa e para o nosso país.

Em 2011, num período pré-eleitoral, o deputado regional do Partido Trabalhista Português (PTP) José Manuel Coelho, em declarações prestadas ao Diário de Notícias da Madeira, ao ser confrontado com as acusações feitas pelo PCTP/MRRP de que o seu partido tinha plagiado comunicados elaborados por aquele partido liderado pelo advogado Garcia Pereira, afirmou que “é preciso ver que o PCTP/MRPP na sua carta de princípios tem coisas a favor dos trabalhadores, a prática deles é que não, porque o Garcia Pereira e o Arnaldo de Matos eram agentes da CIA e fizeram aquele partido para desacreditar o Partido Comunista”. Mais referiu aquele deputado que Garcia Pereira era “um homem da CIA e maçónico, que instrui os processos que o Dr. Jardim põe aos democratas.

Recorreu Garcia Pereira aos tribunais pedindo a condenação do dirigente do PTP pela prática do crime de difamação mas não teve sorte: a juíza do tribunal de 1.ª instância absolveu José Manuel Coelho, valorizando a liberdade de expressão numa sociedade democrática e enquadrando as expressões utilizadas no combate político travado à época. Na sentença a juíza salientou que estavam em causa “duas figuras públicas – José Manuel Coelho que é conhecido pela sua linguagem truculenta e trauliteira, vivendo dessa imagem para captar eleitorado e do outro Garcia Pereira que também é conhecido pela sua linguagem incisiva e forte”, lembrando o tribunal  que o dirigente do PCTP/MRRP tinha apelidado o governo que cessara como nazi bem como a expressão utilizada num recente cartaz do PCTP/MRRP: “Morte aos traidores”.

Recorreu Garcia Pereira para o Tribunal da Relação de Lisboa que lhe deu razão e condenou José Manuel Coelho pela prática do crime de difamação agravada na pena de um ano de prisão efectiva, a cumprir por dias livres correspondentes a fins-de-semana, em 72 períodos com a duração mínima de 36 horas e a máxima de 48 horas, cada um, tendo em conta anteriores condenações em penas suspensas. Para os juízes desembargadores Vítor Morgado e Maria do Carmo Ferreira, o entendimento do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática” a qual é caracterizada ainda pelo “pluralismo, tolerância e espírito de abertura”, sendo uma “das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um”, está em conflito com o direito interno português pelo que não tiveram dúvidas em condenar José Manuel Coelho. A ter acabado aqui o processo, Portugal poderia orgulhar-se de, em pleno século XXI, meter entre grades um político que no debate político acusara um adversário de pertencer aos serviços secretos americanos!

José Manuel Coelho recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça - declaração de interesses: patrocinei José Manuel Coelho junto do STJ -  e, após intervenção do Tribunal Constitucional,  conseguiu que aquele tribunal analisasse o seu caso e o decidisse à luz da lei, sem preconceitos contra a Convenção Europeia dos Direitos do Homem que, convém lembrar, é direito interno porque foi expressamente recebida na nossa ordem jurídica.

Para os juízes conselheiros Manuel Augusto de Matos e Lopes da Mota, tendo em conta o contexto em que se tinham verificado as declarações em causa, era fácil concluir que não se estava perante um ataque a Garcia Pereira em termos da sua vida íntima, da sua pessoa, mas sim no âmbito da sua esfera pública e política; ataque que nas palavras da sentença da 1.ª instância, era “um ataque cerrado e até maldoso” à sua esfera pública e política, mas, por se entender que o mesmo caía dentro da crítica ou combate político, não podiam ser consideradas ilícitas as expressões utilizadas no âmbito do mesmo. E acolhendo o entendimento da primeira instância, o STJ, em boa hora, absolveu o político madeirense.

PS. Cessou esta semana funções como presidente do STJ, o conselheiro António Henriques Gaspar que, no seu mandato, soube defender a independência e o prestígio do poder judicial e evitar desnecessários protagonismos e censuráveis corporativismos.

                                                   

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