Lisboa e Porto uniram-se e criaram um líder nas embalagens

A Graphicsleader, fornecedora mais antiga da Nestlé e líder na produção de embalagens, nasceu da fusão da Litografia de Portugal, criada em 1893 no Bairro Alto, com a Valentim Santos, de Gaia.

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Vítor Santos, accionista maioritário e presidente da empresa Nelson Garrido
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Nestlé vale cerca de 10% da facturação Nelson Garrido
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Títulos de ações da Litografia de Portugal DR
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Cartaz a uma aguardente, de 1920 DR
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Cartaz a promover a inauguração da eletrificação da linha de Sintra em 1957
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Entre o som ritmado de produção industrial e o cheiro a tinta, uma das quatro máquinas capazes de aplicar seis cores em simultâneo debita folhas impressas de Nestum com chocolate, a um ritmo de oito mil por hora. Ou seja, nesse período de tempo a Graphicsleader está a produzir 72 mil caixas de cartão por hora para o seu principal cliente, a Nestlé.

A relação entre as duas empresas vem de longe, dos anos 1950, o que torna esta gráfica localizada em Seixezelo (Vila Nova de Gaia) no fornecedor mais antigo, sem paragens, da multinacional suíça de produtos alimentares. Na altura, no entanto, foi a Litografia de Portugal, criada em 1893 no coração do Bairro Alto, em Lisboa, quem começou a produzir embalagens de cartão para a Nestlé.

O nome de Graphicsleader surgiu apenas em 2002, ano em que a Litografia de Portugal, já com mais de 100 anos, se fundiu com a Valentim Santos, fundada em 1978 em Gaia, num cruzamento pouco comum entre concorrentes de dois pólos urbanos distintos.

Criada, de acordo com uma pequena publicação sobre a história da litografia, Breve história da litografia – sua introdução e primeiros passos em Portugal, por Rogério Moniz, Alfredo Guedes e José Rufino Peres, a Litografia de Portugal tinha introduzido o processo offset em 1947 – o que lhe permitia mais versatilidade e rapidez de impressão. Das suas máquinas saíram verdadeiros tesouros, com a impressão de cartazes como o do filme A Canção de Lisboa, concebido por Almada Negreiros; o da inauguração da electrificação da linha de Sintra em 1957; e anúncios a produtos como os sumos Compal ou a aguardente 1920.

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Com ligações ao meio artístico e clientes de peso como o Estado, das instalações da Rua da Rosa, em Lisboa, saíram também selos, estampas, cartas topográficas, catálogos e livros, acabando por ser especializar em embalagens, transformando-se assim no seu principal negócio.

A aposta neste segmento aconteceu em 1956, três anos antes da criação da Associação Europeia de Comércio Livre, conhecida pela sigla inglesa EFTA (European Free Trade Association) e da qual Portugal foi um dos fundadores. Foi o início de um novo ciclo de expansão económica, com mais investimento estrangeiro no país e subida das exportações.

Os hábitos, esses, também iam mudando, tal como o retalho, e as embalagens de produtos alimentares ganhavam terreno. Nos anos 1960, de acordo com um artigo sobre a Graphicleader publicado em 2002 na revista institucional da Nestlé Portugal, “surgiu a necessidade de mudar a embalagem da Cerelac, em lata, para outro material e formato que ocupasse menos espaço e fosse resistente”. Carlos Peres, descendente de um dos fundadores, encontrou juntamente com o seu irmão, Manuel, a resposta ao desafio em Inglaterra. Ali, diz a publicação, “conheceram um novo produto, o [cartão] minimicrocanelado, um suporte protector, leve e resistente”. O produto foi desenvolvido em conjunto de forma bem-sucedida, com a Nestlé a chegar a representar cerca de 40% do negócio da Litografia de Portugal.

A união faz o líder

Na viragem para este século, a Litografia de Portugal mudara-se já para Loures, por impossibilidade de crescimento no Bairro Alto, e a família Peres tinha adquirido a totalidade do capital da sociedade. Em 2000, a empresa e um dos seus grandes concorrentes, a Valentim Santos, que também fabricava embalagens para a Nestlé, começam as primeiras negociações para uma união. “Nós tínhamos uma cultura muito qualitativa e eles tinham uma grande preocupação com a produtividade, a velocidade”, recordou à revista da Nestlé Carlos Peres, neto do fundador da Litografia de Portugal.

Ao PÚBLICO, Vítor Santos, de 56 anos e filho de Valentim Santos, recorda o processo de fusão que se oficializou há 16 anos, criando a maior empresa do sector no país – uma das maiores a nível ibérico –, e no qual esteve envolvido: “Em vez de nos combatermos, conseguimos ter dimensão para competir em outros mercados. Criámos economia de escala quando ainda não se falava nisso”, recorda o empresário, actual presidente executivo da Graphicsleader.

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Até 2008 houve duas unidades de produção, a de Loures e a de Seixezelo, mas nesse ano optaram por concentrar tudo a norte, com um novo investimento em máquinas e equipamentos, certificações e sistemas. “Havia mais clientes aqui [no Norte], e muitas das exportações, para Espanha e Magrebe, iam pelo Porto de Leixões”, justifica Vítor Santos.

Controlo do capital

Na altura da fusão, cada família ficou com 50%, mas o cenário mudou há pouco tempo. Em 2015, Vítor Santos tomou a iniciativa e comprou 45% aos sócios, detendo agora a esmagadora maioria do capital (Carlos Peres, que liderava a empresa, ficou com 5%). Ao seu lado está o filho, Vítor Coelho Santos, de 35 anos, actual director executivo e garante da herança familiar de uma empresa que comemorou no passado mês de Março 125 anos. Quanto a Valentim Santos, pai do presidente, aos 83 anos continua a visitar fábrica todos os dias.

“Temos que, e devemos, aprender com o passado, até para não cometer os mesmos erros, mas isso não quer dizer que estejamos sempre a olhar para trás”, diz Vítor Santos. Sabendo que a longa história da empresa é “uma mais-valia”, funcionando como uma garantia de conhecimentos adquiridos, o presidente da Graphicleader destaca que é preciso “pensar para a frente” e “estar na vanguarda”. A flexibilidade e o conhecimento dos clientes e fornecedores são alguma das características que, segundo o gestor, ajudam a empresa a manter-se viva no mercado.

Aposta na inovação

Além de produzir o que os clientes encomendam, a Graphicleader também propõe soluções ao nível do produto com um departamento de investigação e desenvolvimento (I&D). Um caso recente foi o que envolveu os iogurtes líquidos da Mimosa, com a Graphicleader a desenvolver uma embalagem mais estilizada e com poupança de matéria-prima (logo, de desperdício), ao mesmo tempo que permite aumentar o número de unidades por folha que sai das máquinas. Reconhecido pela European Carton Makers Association (ECMA), o produto inovador faz parte da lista de finalistas do prémio de excelência desta organização sectorial, cujo vencedor será conhecido no final de Setembro, em Riga, Letónia.

Com 160 funcionários e uma facturação de 25 milhões de euros, ainda hoje a Nestlé é a principal cliente desta empresa, com um peso de 10% a 11% das vendas. À multinacional suíça juntam-se outras referências como a Lactogal (dona da Mimosa), Delta, Cerealis, Grupo Super Bock, Vieira, ou a conserveira espanhola Isabel. A produção de embalagens de cartão para latas de sardinhas é, aliás, o produto que mais saída tem em termos de unidades, e um dos clássicos da empresa, com um peso de cerca de 20% do total, o que não é pouco: das máquinas de Seixezelo saem mil milhões de embalagens por ano.

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O sector alimentar vale perto de 78% da facturação, cabendo o restante a empresas como Farfetch, Grohe, Camel Active e Ecco. Na zona fabril vê-se uma pilha de caixas de sapatos prontas para serem expedidas para a Eslováquia, um dos vários mercados internacionais para onde seguem os produtos da Graphicleader.

Actualmente, o mercado nacional vale 50% da facturação, estando a outra metade distribuída por vários países, com destaque para Espanha (com um peso de 31%, seguindo-se Marrocos com 7%). Contabilizando as exportações indirectas, ou seja, as que são expedidas depois pelos clientes, o peso dos mercados externos sobe para cerca de 80% da facturação. Em termos de importação, é de Espanha, Finlândia, Suécia e Brasil que vem a maior parte da matéria-prima, a cartolina.

No armazém da empresa estão cerca de 4500 paletes, empilhadas e alinhadas em linhas rectas, à espera de ganhar cores e formas. Da pré-impressão à colagem e acabamentos finais, como etiquetas anti-roubo, passando pela impressão e pelo corte e vinco, as embalagens passam de algo indiferenciado a parte integrante e protectora de produtos de uma marca, como os milhares de embalagens da Delta que estão prontos na fábrica para serem expedidos e, depois, armados e completados com as respectivas cápsulas de café.

No final, quando chegarem às prateleiras dos supermercados, as caixas produzidas em Seixezelo serão as responsáveis pelo primeiro contacto, visual e sensorial, com os consumidores, num ciclo do qual a Graphicleader é o actor mais desconhecido.

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