Centeno pôs-se no olho das críticas da esquerda... e do PS

Do lado do PS, João Galamba foi o único a falar em público. Apesar de haver mais socialistas que não gostaram do tom do ministro das Finanças, a ordem foi para calar: a um ano de eleições e em plena negociação do Orçamento do Estado, é hora de reunir

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Miguel Manso

Mário Centeno tinha uma tarefa complicada: saudar a Grécia pela saída do programa de ajustamento com palavras que agradassem a gregos e a alemães, com os portugueses, principalmente os parceiros do Governo, à espera de algum deslize. A avaliar pelas reacções da esquerda e dos gregos, o também ministro das Finanças de Portugal parece ter agradado apenas a alemães. A contradição entre Centeno-presidente-do-Eurogrupo e Centeno-ministro-de-um-Governo-que-criticou-as-políticas da-troika levou a que, por cá, a esquerda se agitasse, incluindo o próprio PS.

João Galamba deu voz ao descontentamento que em privado foi correndo entre alguns socialistas. Contudo, ficou sozinho na praça pública. Na hora de escolherem entre a defesa de Centeno e a crítica ao seu discurso, a maioria dos socialistas preferiram o silêncio. É hora de reunir tropas. Numa altura em que o Governo negoceia o Orçamento do Estado e se prepara para um ano eleitoral, qualquer ataque dentro de portas seria "gratuito" e mais prejudicial ao partido do que o silêncio, admite um elemento do PS. 

Mas Galamba decidiu vincar aquilo que tem defendido em relação aos gregos. "Acho que é um vídeo de propaganda, lamentável, que ignora a realidade do que aconteceu. Varoufakis disse que parecia um vídeo norte-coreano. Não anda longe da verdade", começa por dizer em declarações ao PÚBLICO.

Para o deputado, ex-porta-voz do PS, numa altura em que se combate o crescimento da extrema-direita, este tipo de discurso é preocupante. "Há um consenso à esquerda e à direita de que o programa grego foi um desastre e no final desse programa, o que se exigia era que as instituições europeias, desde a Comissão Europeia ao Eurogrupo, aprendessem com a experiência grega", diz. 

João Galamba não gostou de ver Centeno a desempenhar o papel de defensor do "sucesso" da austeridade grega, mas diz que vê ali as instituições europeias, mais do que o ministro português: "Centeno desempenha o seu papel institucional. Espero que tenha tornado aquele vídeo menos lamentável".

Não houve outro socialista a sair a terreiro, mas longe dos microfones e das redes sociais outros disseram que o vídeo era "escusado" e que o presidente do Eurogrupo fez lembrar Wolfgang Schäuble, o ex-ministro alemão das Finanças, ao falar sobre Portugal quando este Governo entrou em funções, dizendo que o programa de ajustamento tinha sido um sucesso e que o rumo era para manter. E a outros, fez confusão a citação quase literal de uma frase do antigo líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, quando defendeu que Portugal estava melhor, os portugueses é que ainda não o sentiam. No vídeo, Centeno diz que a Grécia está melhor, mas que isso ainda não é sentido por parte da população.

No PS, há quem considere que este vídeo foi o culminar da ideia que Centeno está sob um "encantamento europeu". Ora esse "encantamento" é contrário àquilo que Costa prometia fazer na Europa, lembra o BE. O primeiro-ministro tinha como objectivo mudar a Europa por dentro e, para a bloquista Mariana Mortágua, este discurso é a prova de que Centeno não foi mudar o discurso europeu, antes pelo contrário, foi engolido por ele. "Aquilo que Centeno tem demonstrado é que entre os sacrifícios do povo grego e as imposições europeias, ele coloca-se do lado das instituições europeias. Quem achava que Centeno levaria uma posição crítica às instituições europeias, enganou-se", diz a deputada, defendendo que deveria ser feita uma análise crítica às políticas da UE.

Mais do que a prática, que se vai verificar novamente no Orçamento do Estado em negociação, as palavras mostram o pensamento de Centeno e a ideologia enquadradora da sua acção. São um discurso "perigoso" e "moralista" que valida a "austeridade, as imposições e a chantagem como forma de lidar" com os países em dificuldade.

O PCP, numa resposta por escrito enviada ao PÚBLICO, prefere não falar directamente de Mário Centeno, preferindo criticar à partida os programas de ajustamento que considera "verdadeiros pactos de agressão contra Estados e povos" e que "são instrumentos da estratégia de empobrecimento, liquidação de direitos, favorecimento do poder monopolista e de ataque à soberania nacional". Nestas respostas, o PCP lembra o caso português para dizer que a saída "limpa ou não" é "um embuste". "As limitações à soberania que decorrem da 'vigilância' a que se mantém submetido pelo FMI e a UE, e sobretudo a submissão às imposições orçamentais que impedem o desenvolvimento do país, e a resposta aos problemas nacionais comprovam-no".

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