ERC faz guia de boas práticas para cobertura de incêndios e pede menos directos

Em vez de multas a órgãos de comunicação social por falhas na cobertura no ano passado, o Conselho Regulador preferiu a via preventiva e aprovou dez mandamentos sobre o tratamento informativo de calamidades. Que deverão transformar-se em directiva no próximo ano.

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LUSA/PAULO NOVAIS

São dez recomendações e por enquanto é só um “guia de boas práticas” sobre a cobertura informativa de calamidades como os incêndios florestais que assolaram o país no ano passado, mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) espera vir a desenvolver uma directiva bem mais aprofundada sobre o assunto para a qual conta fazer uma consulta pública, envolvendo o sector dos media e os agentes da protecção civil.

Nesta quarta-feira, o Conselho Regulador da ERC aprovou por unanimidade uma lista de dez medidas básicas e essenciais para serem seguidas na cobertura informativa de catástrofes e que, na verdade, derivam dos princípios que regem a actividade jornalística. “É sobretudo relembrar princípios e sintetizá-los num guia que facilite a orientação dos profissionais”, descreve ao PÚBLICO o vice-presidente do regulador, Mário Mesquita.

Cumprir o dever de rigor; recorrer preferencialmente a fontes de informação oficiais; evitar longos directos e a recolha de imagens de vítimas, garantindo o seu direito à imagem mesmo depois de mortas; validar os conteúdos captados pelos cidadãos antes de os emitir – são algumas das recomendações que os media devem assumir especial cuidado quando lidarem com vítimas ou testemunhas menores de idade, enumera este guia de boas práticas.

A solução de apresentar agora esta espécie de dez mandamentos decorre de uma análise de 22 queixas de espectadores e também de um procedimento de averiguações aberto pelo anterior regulador, então liderado por Carlos Magno, a “todos os órgãos de comunicação social] de âmbito nacional” sobre a cobertura dos incêndios de Pedrógão Grande, em Junho.

Na altura foi aberto um outro processo específico sobre a reportagem da jornalista da TVI Judite de Sousa, que em Pedrógão fez uma reportagem ao lado de um cadáver embrulhado e deitado no chão, e que motivou uma centena de queixas à ERC. Em Agosto, a ERC considerou que a reportagem de Judite de Sousa exibida no Jornal das 8 de dia 18 de Junho expôs "um cadáver humano sem razão de interesse público ou informativo que o justifique", e que a TVI, com essa peça jornalística e outras incluídas naquele noticiário, violou a lei da televisão  por não respeitar "a dignidade da pessoa humana, a ética de antena que lhe cumpre observar e que àquela se associa, bem como o dever de rigor informativo 

No caso da averiguação dos restantes meios de comunicação social, a conclusão dos serviços foi agora que havia também falhas em quase todos. Considerou-se que aplicar milhares de euros em contraordenações praticamente um ano depois dos acontecimentos e já em cima de um novo Verão não faria sentido.

Decidiu-se arquivar o procedimento proposto pelos serviços jurídicos e optar pela via preventiva. “Preferimos fazer algo pela positiva, um código baseado no que existe na lei e na deontologia sobre o rigor informativo e os procedimentos deontológicos”, afirma Mário Mesquita. Os departamentos da ERC de análise dos media e jurídico inspiraram-se também nos procedimentos de reguladores de outros países, como França e Espanha.

O Conselho Regulador defende que em casos de calamidade se deve privilegiar o “recurso a fontes oficiais de informação”, embora “sem prejuízo da sua verificação e confrontação com outras, nomeadamente quanto ao número e identidade de mortos, desaparecidos ou feridos”. E para o caso, calamidade é um “evento ou situação atípica, provocado por causas naturais ou outras, com forte impacto no quotidiano e prejuízos humanos ou materiais avultados para uma comunidade, cidade, região ou país”.

O tratamento destes casos deve “assegurar escrupulosamente os deveres de rigor, abstendo-se de juízos especulativos, da divulgação de factos não confirmados e garantindo o respeito pela presunção de inocência”. Nos casos dos directos – com que os canais de televisão, especialmente os de informação, enchem a antena nestas situações –, a ERC recomenda que seja evitado o seu “prolongamento ou constante repetição” e essas sucessivas ligações em directo ao local devem ser “ponderadas em função do valor informativo das imagens”.

Os media também devem optar por não recolher imagens e declarações de vítimas, familiares ou pessoas “em manifesto estado de vulnerabilidade psicológica, emocional e física, independentemente do consentimento dado pelas mesmas”. E o direito à privacidade das vítimas e à sua imagem deve ser assegurado além da sua morte – ou seja, uma direcção de informação deve questionar-se sobre a necessidade de emitir imagens com pessoas mortas, mesmo que os corpos estejam tapados.

Apesar de o recurso às redes sociais como fonte de informação ser cada vez mais habitual nos media, o regulador pede mesmo que seja “evitada” a divulgação de imagens fotográficas e de vídeos das vítimas de calamidades. E recomenda especial cuidado no uso de conteúdos captados pelos cidadãos, que, vinca, devem ser previamente validados pelos meios de comunicação social. Mas a ERC também recomenda alguma parcimónia na sua divulgação: este tipo de conteúdo deve “acrescentar valor à informação”, a sua fonte identificada, e o conteúdo tratado editorialmente para respeitar as regras jornalística.

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