Pescadores da sardinha fecham lota em protesto contra “excesso de zelo” na fiscalização

Protesto iniciado de madrugada durou até ao início da manhã. Associações de pescadores dizem estar a ser perseguidos e a viver “clima de terror”.

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Lota de Matosinhos esteve encerrada durante várias horas. nelson garrido
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Na madrugada desta quarta-feira, a lota de Matosinhos não abriu. Cerca de 500 pescadores barricaram a entrada com paletes de madeira e um separador de betão. Até cerca das 9h30 ninguém pode entrar ou sair da doca. Na origem da discórdia está aquilo que consideram ser o “excesso de zelo” praticado pela Unidade de Controlo Costeiro (UCC) da GNR local na matéria da fiscalização dos limites impostos na pesca da sardinha, originando o que apelidam de um “certo clima de terror”. A mobilização pacífica tem um propósito: continuando a cumprir as quotas, apelam à “sensibilidade” e “flexibilidade” das autoridades competentes.

A fiscalização é diária e peca por “excesso”, diz o armador Jerónimo Viana, que a seu cargo tem uma embarcação de 12 metros. Presente no protesto, explica-nos o que desencadeou este clima de tensão. Num ambiente já “menos favorável” para os pescadores, após a limitação da pesca de sardinha com a arte do cerco (98% das capturas) em águas da costa continental portuguesa, em Outubro do ano passado, para Portugal e Espanha, ter sido fixada em cerca de 14 toneladas por ano, há outro factor que fez rebentar este protesto.

Tradicionalmente, cada tripulante de cada embarcação, no final do dia de trabalho, leva para casa um balde com aproximadamente 6 quilos de pescado. “Há um cerco apertadíssimo. Neste momento é tão apertado que até as sardinhas que cada tripulante leva para consumo próprio estão a ser alvo de autos ou de avisos por parte da UCC “, explica, sublinhando ter sido esta a gota de água que levou os pescadores já no mar a decidirem voltar a terra para se mobilizarem.

De regresso ao mar desde Maio, depois do levantamento da proibição levada a cabo no ano passado, possibilitando a pesca de sardinha entre o dia 21 do mês passado e 31 de Julho, pouco foi o peixe que apanhou e nada foi o que lucrou: “Ainda não ganhei um tostão de há um mês para cá”.    

As embarcações da pesca do cerco são divididas em duas classes: dos 9 aos 16 metros, as mais pequenas, operam até às seis milhas da costa. As traineiras, maiores, com mais de 20 metros, podem ir até 30 milhas. Com uma embarcação dentro da categoria das primeiras, não tem encontrado as melhores condições para o negócio. “Se as traineiras conseguem pescar algum, as pequenas, numa área entre Caminha e a Figueira da Foz, pescam zero”, afirma.

Com o período de pesca da sardinha limitado a seis meses por ano, “ou durante esse tempo corre bem e garante-se o ano todo” ou o prejuízo pessoal pode ser elevado. “Com as avarias, intempéries e outros imprevistos esse período resume-se a cinco meses”, sublinha.

Apelo a maior flexibilidade das autoridades

Sem qualquer oposição ao cumprimento das quotas, entende que face a esta realidade deveria existir uma maior sensibilidade por parte da autoridade fiscalizadora para “pelo menos” não interferir com a “tradição” dos baldes. Outra medida que sugere passa por uma maior flexibilidade por parte das autoridades para que se torne possível a divisão dos cabazes entre embarcações para acertar o valor permitido para cada uma – as mais pequenas podem pescar até 111 cabazes e as maiores até 166.

Se alguma ultrapassar o limite, sugere que se “equilibrem e se distribuam” os cabazes em excesso pelas que não o atingiram, o que diz não ser permitido. “Isto faz com que haja quem, com o medo das multas, prefira atirar o pescado para o mar, que por sinal já está morto”, salienta.

 É no sentido dessa “sensibilização” e “flexibilização” que o presidente da Propeixe - Cooperativa de Produtores de Peixe do Norte, Agostinho da Mata, afirma estarem a seguir os intervenientes deste protesto. São estas as principais reivindicações que, às 10h30 desta quinta-feira, em conjunto com mais duas associações de pescadores presentes na mobilização -  Apropesca e a APARA -, vão apresentar ao Comandante da UCC, que contactada pelo PÚBLICO, até ao fecho da edição não nos deu qualquer resposta.

“A GNR não larga Porto de Leixões. Todos os dias somos assediados”, garante. “Temos costumes antigos, algumas tradições que a lei na sua nudez não refere, mas que tem de a entender e de a reajustar”, acrescenta, dando conta de que o assunto será também levado à secretaria de Estado das Pescas para que o processo seja “agilizado” até que se ponha termo ao que descreve como sendo um “clima de terror”.

O líder da associação diz que não é possível capturar exactamente os 3750 quilos diários permitidos. “As sardinhas vêm misturadas com outras espécies”, explica, assegurando ser natural que possam existir algumas divergências “residuais” ao nível do peso, mas que considera não deverem ser “aproveitadas” para “castigar” as embarcações, como terá acontecido na terça-feira, quando foi apreendida “uma quantidade irrisória” de sardinhas, conta.

Recorrendo à metáfora, tenta dar um exemplo para ilustrar o que diz estar a acontecer: “Estamos a ser multados por conduzir a 130 quilómetros por hora, apenas por 10 quilómetros fora do limite”.  

O presidente da Apropesca, Carlos Cruz, que assegura que na próxima madrugada os pescadores voltam ao mar, subscreve o que é veiculado pela Propeixe e salienta outra questão que também está a contribuir para o descontentamento da classe: “Por esta altura, o preço do cabaz costuma rondar os 100 euros. Estamos a vender a 20/30 euros. Ao mesmo preço estão os cabazes do peixe que chegam por terra, de Espanha e de Marrocos (no segundo caso sem restrições), o que obriga a que as nossas margens de lucro sejam encurtadas”.

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