É Capazes de ser um bocado caro

Esta autêntica chuva de milhões demonstra que o pouco que existe de “sociedade civil” em Portugal ainda assim vive na dependência de dinheiros públicos.

A associação feminista Capazes recebeu 73 mil euros de fundos europeus para organizar uma série de conferências no Alentejo sobre igualdade de género. A notícia causou certa polémica, por razões mais ou menos previsíveis: porque a líder da iniciativa é Rita Ferro Rodrigues, porque muitos consideram que o feminismo das Capazes extravasa bastante a mera luta pela igualdade de género, porque há quem defenda que os fundos do Portugal 2020 não devem servir para promover projectos ideológicos – e por aí fora.

Vai daí, decidi sentar-me hora e meia a assistir ao vídeo da conferência das Capazes em Portalegre (a minha terra) e investigar um pouco que tipo de iniciativas são patrocinadas pelo Programa Operacional da Inclusão Social e Emprego (POISE) do Portugal 2020, de modo a poder chegar a uma conclusão sobre o tema. Cheguei a duas: 1) Aquilo que foi discutido em Portalegre pareceu-me pacífico e estimável, e tirando o tique insuportável de Rita Ferro Rodrigues dizer “todos e todas”, “eles e elas” ou “outros e outras”, não ouvi nenhum dos delírios fundamentalistas que tantas vezes encontramos no site das Capazes (nota: gostei particularmente do testemunho de Mariana Mortágua acerca das mulheres na política). 2) A lista de apoios do Portugal 2020, pelo menos no que respeita aos fundos que são atribuídos ao abrigo do POISE, parece totalmente absurda, e qualquer pessoa que olhe para aquilo fica com a convicção de que continuamos a mandar dinheiro da Europa pela janela fora com o mesmo entusiasmo com que os agricultores compravam jipes na segunda metade dos anos 80. 

Em resumo, diria que há aqui notícia, mas não necessariamente no lugar onde ela foi procurada. A lista de “operações aprovadas” pelo programa POISE no final de 2016 consiste em 591 páginas, a uma média de 24 apoios por página: no total, são mais de 14 mil apoios distintos, onde cabe tudo e mais alguma coisa, sob chapéus como “Promoção do espírito empresarial” ou “Adaptação dos trabalhadores, das empresas e dos empresários à mudança”. No caso das Capazes, o apoio justifica-se pelo desejo de promover “a inclusão social” e combater “a pobreza e a discriminação”, na companhia de mais trinta e tal instituições, como a Liga dos Amigos do Centro de Saúde de Alfândega da Fé, a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, a UMAR ou a ILGA – unidíssimas no benemérito objectivo de lutar “contra todas as formas de discriminação e promoção da igualdade de oportunidades”. E com o POISE a oferecer entre 70 a 80 mil euros por cabeça. É a cultura de minifúndio dos fundos europeus.

Esta autêntica chuva de milhões demonstra que o pouco que existe de “sociedade civil” em Portugal ainda assim vive na dependência de dinheiros públicos. Rita Ferro Rodrigues, em declarações ao Observador, considerou “pouco” o dinheiro que recebeu da Europa. A questão é: pouco para fazer o quê? Nenhuma empresa em Portugal gastaria quase 74 mil euros a organizar quatro conferências (cinco, no projecto original) em que não é preciso pagar salas, deslocações ou oradores. Onde foi investido o dinheiro? Em dois anos de salário de um “técnico” (1000 euros) e de uma “coordenadora” (1100 euros). Dois anos e dois técnicos para organizar cinco conferências com a duração total de sete horas e meia – e tomem lá 73.856 euros. Isto faz algum sentido? Claro que faz. Em Portugal, a melhor forma de popularizar uma ideia é contratar funcionários cujos salários estejam dependentes da sua popularidade.

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