Morreu Miloš Forman, o checo que nos pôs a voar sobre um ninho de cucos

Cineasta venceu dois Óscares para melhor realizador — com o clássico protagonizado por Jack Nicholson, Voando Sobre Um Ninho de Cucos, e com a biografia de Mozart, Amadeus. Foi ainda nomeado por Larry Flynt. Um filme por década.

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Miloš Forman tinha 86 anos e mais de cinco décadas de carreira Reuters/DAVID W CERNY

O checo Miloš Forman morreu nesta sexta-feira, aos 86 anos, nos EUA. O realizador de Voando Sobre Um Ninho de Cucos e Amadeus esteve doente durante um breve período, informou a sua mulher, Martina, em declarações à agência de notícias checa, a CTK, citada pela Reuters.

“A sua partida foi tranquila e ele esteve o tempo todo rodeado pela sua família e amigos mais próximos”, disse Martina Zborilova-Forman, com quem o cineasta teve dois filhos gémeos. Martina foi a sua terceira mulher (casaram em 1999), depois de Jana Brejchová (1958-1962), uma estrela de cinema checa que participa em Os Amores de Uma Loira e Amadeus, e Vera Kresadlova-Formanova (1964-1999), também actriz e mãe de outro par de gémeos.

Miloš Forman nasceu a 18 de Fevereiro de 1932 em Caslav, na então Checoslováquia. Filho de um sobrevivente do Holocausto, estudou na mesma escola de elite que Václav Havel (que viria a ser o primeiro Presidente da República Checa), de onde seguiu para a Academia de Artes Cénicas de Praga. Forman deixou o país na sequência da invasão soviética da Checoslováquia no Verão de 1968. Foi para os EUA. O irmão, o pintor Pavel Forman, seguiu para a Austrália.

Por essa altura já o cineasta se tinha estreado no cinema, com dois documentários (1960 e 1964) e uma curta-metragem documental (1964). Também se tinha aventurado pela ficção, com O Ás de Espadas (1964) e Os Amores de Uma Loira (1965), e realizado um musical de comédia para televisão (1966). Tornou-se conhecido com O Baile dos Bombeiros (1967), no qual explora o carácter concentracionário de uma sociedade comunista. Até voltar a filmar, já nos EUA, seguiu-se um breve hiato.

Forman fez-se cidadão norte-americano nos anos 1970. Foi em meados dessa década, precisamente em 1975, que levou às salas o filme que é a sua principal marca na história do cinema — Voando Sobre Um Ninho de Cucos, protagonizado por Jack Nicholson, condensa num hospital psiquiátrico as tensões, as manhas e a violência institucional daquele tempo. O filme foi recebido com a aclamação da crítica e da Academia, conquistando as cinco categorias mais importantes dos Óscares: melhor filme, melhor realizador, melhor actor, melhor actriz (Louise Fletcher) e melhor argumento (Lawrence Hauben e Bo Goldman). Só Uma Noite Aconteceu (1934) e O Silêncio dos Inocentes (1991) conseguiram igual proeza.

Hair (1979), um musical rock, e Ragtime (1981), sobre as tensões raciais do início do século XX em Nova Iorque, pavimentaram o caminho filmográfico de Miloš Forman até ao seu grande êxito seguinte: Amadeus, a livre biografia do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart enquanto jovem, e a relação de rivalidade que o prodigioso músico mantinha com Antonio Salieri na Viena da segunda metade do século XVIII. Conquistou oito Óscares em 11 nomeações, incluindo as estatuetas para melhor filme e melhor realizador.

Forman abrandou a partir daí. Valmont estreou-se em 1989, contando uma história de amor, traição e sedução passada no século XVII francês, que o cineasta foi buscar ao romance epistolar de Choderlos de Laclos Les Liaisons dangereuses. A obra tinha sido adaptada ao cinema pouco antes por Stephen Frears (Ligações Perigosas, 1988). E a versão de Forman não foi bem recebida. Ao contrário do filme seguinte: Larry Flint (1996), que valeu a Miloš Forman uma quarta e derradeira nomeação para o Óscar de melhor realizador (foi também nomeado por Ragtime).

Larry Flynt é mais uma ficção construída a partir de factos, debruçando-se sobre a controvérsia e as batalhas judiciais travadas pelo editor norte-americano de pornografia cujo nome dá o título ao filme. O pano de fundo, tanto da realidade como da ficção, é o da luta pela liberdade de expressão. Woody Harrelson, Courtney Love e Edward Norton lideram o elenco.

Homem na Lua chegou em 1999, o mesmo ano em que nasceram os filhos mais novos de Forman. Dois acontecimentos intimamente ligados: os quatro protagonistas, dois de cada lado, partilham os mesmos nomes. O filme é sobre Andy Kaufman, um comediante de difícil classificação a que Jim Carrey dá corpo. Andrew e James foram os nomes que Milos e Martina escolheram para os gémeos.

Os Fantasmas de Goya (2006), mais uma biografia ficcionada que se atira a um escândalo à volta da musa (Natalie Portman) do pintor Francisco Goya (Javier Bardem), e o musical de produção checa Dobre placená procházka (2009) encerram a filmografia de Miloš Forman, que apesar de se espraiar por cinco décadas se reduz a uma vintena de títulos. Mas Forman experimentou mais do que a cadeira de realizador, tendo passado para o lado de lá da câmara uma mancheia de vezes, como actor, e assumindo a produção executiva de três filmes.

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