Capitalismo canibal

Dinheiro Sujo é uma série de documentários da Netflix sobre vigarices, da Volkswagen a Donald Trump.

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Da série "Dirty Money" para ver na Netflix DR

Como é que isto foi possível? É a pergunta que mais fazemos quando ouvimos falar dos BES, dos Banifs, das Enron e dos Bernie Madoffs desta vida. E é a pergunta que vamos fazer a cada minuto de cada um dos seis episódios de Dinheiro Sujo, a série documental do serviço de streaming Netflix sobre casos de capitalismo selvagem, que vai muito para lá da exploração do homem pelo homem, em que a moralidade é substituída pela avaliação de risco. E não há moralidade, como vemos ao longo da série, na indústria farmacêutica, no negócio dos empréstimos ou no xarope de ácer. Donald Trump, o autodenominado empresário de sucesso, também não escapa.

Esta é uma série com pedigree, produzida por um dos grandes nomes do cinema documental da actualidade, Alex Gibney, que já passou pelo crime financeiro em Enron: The Smartest Guys in the Room, pela tortura no Afeganistão em Taxi to the Dark Side (que ganhou um Óscar), pelo doping no ciclismo em A Mentira Armstrong ou a igreja da cientologia em Going Clear. Gibney produz a série e realiza o primeiro episódio sobre a fraude da Volkswagen nas emissões de carbono dos seus automóveis, em que ele próprio (e a mulher) é protagonista, um pouco ao jeito de Michael Moore: comprou um Volkswagen a pensar que estava a ajudar o ambiente e sentiu-se enganado quando o escândalo rebentou.

Pode ver-se os episódios por qualquer ordem e pode haver a tentação de ir directamente ao último da série sobre Donald Trump e os seus anos como empresário. É uma janela interessante com vista para a criação da marca Trump, moldada, não pelo sucesso que (não) teve, mas por uma presença mediática constante e alavancada por um reality show de grande sucesso. E, no final do episódio, lá vem a pergunta na nossa cabeça: como é que Trump, que teve mais fracassos que sucessos nos negócios e queimou muita gente pelo caminho, chegou a Presidente dos EUA?

Talvez o mais interessante da série seja aquele que é dedicado ao que os norte-americanos chamam de payday loans, empréstimos de baixo valor fora do sistema bancário com juros muito acima do normal. Todo o episódio é centrado em Scott Parker, o usurário por trás de um elaborado esquema de empréstimos predatórios e que usa o estatuto especial das tribos índias nos EUA para manter esse esquema legal.

Temos as histórias de quem se perdeu num labirinto de cláusulas e que pagou 400% ou 500% do valor do empréstimo, mas também temos Parker na primeira pessoa. Financiou o seu sonho de ser piloto de automóveis como os milhões que tirou a pessoas desesperadas e defendeu-se com a legalidade, na sua perspectiva, nunca quebrada. Só mostrou sentimento porque foi apanhado (seria condenado a 16 anos de prisão) e porque lhe apreenderam os carros de luxo que tinha na garagem.

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