“É bom lembrar às pessoas que têm tempo para as coisas importantes”

A espanhola Elsa Punset escreveu O Livro das Pequenas Revoluções com o desafio de sermos mais saudáveis, física e mentalmente.

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miguel manso

Elsa Punset formou-se em filosofia, andou pelo jornalismo e especializou-se na inteligência emocional. Nos últimos anos tem escrito para adultos, mas também para crianças, sobre esse tema. Enquanto em Espanha — de onde é originária, colabora com vários meios de comunicação, tem um canal no YouTube e é directora de conteúdos do Laboratório de Aprendizagem Social e Emocional da Universidade Camilo José Cela — está a promover o seu último livro, Felices, por cá veio fazer o mesmo com O Livro das Pequenas Revoluções, editado pela Planeta.

Trata-se de uma obra em que a autora, em mais de 400 páginas, propõe “rituais diários que vão mudar a sua vida”. A ideia nasceu num aeroporto, conta Elsa Punset, que viaja para fazer palestras e cursos não só pela Europa mas também pela América Latina. Na altura, a autora pegou num livro com 500 exercícios físicos para ter um corpo mais saudável e pensou que o que faltava era um livro com exercícios para melhorar a saúde mental. Porque, como diz, a ciência tem evoluído muito, nos últimos séculos, no que à saúde física se refere, mas só mais recentemente é que o mundo ocidental começou a preocupar-se com a saúde mental. 

Os exercícios que propõe são para que sejamos mais felizes?
Mais feliz, mas no sentido de ser mais saudável mental e fisicamente. Este livro tem como objectivo ajudar as pessoas a conhecerem-se melhor, a saber gerir as suas relações. É muito prático.

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É muito prático e convida, de imediato, o leitor a fazer alguns dos exercícios, mas são 250. Haverá uma lista de dez que são essenciais?
Quando propus 250 rituais, o meu editor ficou assustado por ser demasiada informação, muitas páginas, muitas imagens. Mas a ideia é que os leitores saibam que são muitas as formas que podemos usar para nos mudarmos a nós mesmos. Porque não são só 250, mas 2500! A ideia é que o leitor compreenda que, quando algo não está a funcionar na sua vida, pode melhorar. Vivemos numa cultura que, nos últimos séculos, aprendeu a conhecer melhor o corpo, a saber que se comermos bem, dormirmos bem e fizermos exercício o corpo vai funcionar melhor; mas não desenvolvemos esses protocolos para a mente humana.

É possível fazer uma lista de dez exercícios e posso dizer quais são os que gosto mais, mas nem todos se adaptam a toda a gente, porque não estamos todos no mesmo ponto na vida. Este é um livro que não é para ser lido de seguida, mas para olhar para o índice e ver o que se adequa a cada pessoa. A primeira parte tem exercícios para que as pessoas se conheçam a si mesmas, são protocolos que usamos na área da inteligência emocional, é sobre as emoções e como as gerir, e depois é sobre a nossa relação com os outros.

Porque primeiro, como dizem os gregos, é preciso conhecermo-nos a nós mesmos e só depois aos outros?
Sim, há muitos exercícios que são bons para tirar o stress, que é uma reacção normal na nossa vida que está cheia de pequenos problemas, não de grandes problemas, mas pequenos, aos quais reagimos exageradamente. Um dos meus rituais favoritos, gosto de tantos... Como temos um cérebro que tem dificuldade em recordar as coisas boas, porque está programado para a sobrevivência e, logo, não quer saber de criatividade, neste ritual pede-se às pessoas que escolham uma caixa [pág. 30], a decorem e lá dentro coloquem objectos ou imagens de que gostem. A ideia é fazer um esforço para nos lembrarmos de pequenos momentos bons, já que o cérebro memoriza melhor as experiências negativas do que positivas. Há outro ritual, o pote da felicidade [pág. 390], no qual escrevemos pequenas coisas boas que nos foram acontecendo ao longo do dia e, assim, treinamos o cérebro a recordá-las. 

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Faz algum dos exercícios que propõe?
Só escrevo sobre o que pratico.

Uma das propostas é praticar o Haka, que os jogadores neozelandeses fazem antes dos desafios de râguebi. Já experimentou?
[Risos] Sou péssima a dançar! Mas, mais uma vez, gosto de pensar que escrevo para pessoas de todas as idades, e sei que nas escolas o Haka [pág. 220] tem sido um sucesso. Gosto muito do Kaizen [pág. 84], é um protocolo usado pelos japoneses e a ideia é fazer pequenas mudanças na nossa vida. Normalmente, em Janeiro fazemos grandes promessas e depois não fazemos nada porque as mudanças exigem muito e este exercício propõe pequenas melhorias na nossa casa, no trabalho... e assim enfrentamos a vida de uma forma tranquila.

As redes sociais estão cheias de pessoas sorridentes, bem-sucedidas, que viajam, têm famílias lindas. Estas são propostas de mudança porque a sociedade nos exige que sejamos felizes?
Vivemos num mundo que finge que pode ignorar as emoções negativas. Este livro não tem a intenção de ajudar as pessoas a serem felizes, de uma maneira simplista, mas é sobre como gerar emoções positivas. Acreditamos que a felicidade vem do exterior e essa crença acaba por ser uma frustração, porque não é sempre assim. O nosso cérebro é muito dependente da felicidade e precisa dela para se sentir confortável. É mais inteligente aceitar que a vida está cheia de emoções confusas, que não podemos ser sempre felizes e que todas as emoções negativas têm uma mensagem. É preciso compreendê-las. Depois de alguns anos, já não vamos precisar deste livro.

Depois de alguns anos?
Bem... Quanto tempo é necessário para que uma criança aprenda a ler e a escrever? Para tudo é preciso muito tempo. Há muitas emoções como a tristeza ou a raiva que temos de aprender, e reaprender, a gerir para sermos melhores. Por exemplo, usar o poder da meditação de que a neurociência tem falado tanto. O nosso cérebro é muito complexo e tem uma grande dificuldade em viver o presente e grande facilidade em olhar para o passado e para o futuro, e sempre com uma enorme preocupação. E as emoções têm impacto na nossa saúde. Agora sabemos que a infelicidade nos faz menos criativos, menos inteligentes, porque o cérebro está concentrado nas preocupações e a ser infeliz. Por tudo isto, a felicidade é mais importante do que tínhamos pensado até agora. Mas falo de uma felicidade que consiste em aceitar que a vida é feita de um misto de emoções e que não podemos ficar à espera que as coisas boas nos aconteçam.

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Refere que a meditação tem benefícios fisiológicos e mentais. E a oração?
É uma forma de meditação e é também uma forma de esperança. As pessoas optimistas são mais saudáveis e vivem mais tempo porque têm esperança, porque acreditam que amanhã será um dia melhor, mesmo que tenham de lutar com qualquer coisa menos boa no dia de hoje. E a oração é um pouco isso, é ter esperança em alguma coisa ou em alguém que nos possa ajudar.

Quando fazemos estes rituais de autoconhecimento, quando nos centramos em nós, estamos a pôr Deus num segundo plano?
Vivemos numa sociedade cada vez mais secular e a sociedade religiosa deu-nos regras muito estritas de como vivermos as nossas emoções. Com frequência, essas regras incluíam reprimir as emoções. Actualmente, os pais perguntam aos filhos, aos millennials, se são felizes, e esta não era uma pergunta importante para a religião.

Mas esta geração dos millennials é a mesma que não sabe o que vai fazer em termos profissionais, se vai viver no país onde nasceu ou no estrangeiro, que não planeia uma família. As regras não são necessárias para se ser feliz?
Esta é a geração que não sabe que línguas terá de aprender, se as máquinas vão fazer melhor o seu trabalho... Vão ter de aprender a viver com algo de que o cérebro não gosta, que é a incerteza, o desconhecido. O nosso cérebro foi feito para sobreviver e precisa de saber o que é bom, o que é mau, para onde vai, o que é seguro e, nesse sentido, a vida é mais complicada, mas é muito mais rica em todos os outros sentidos! Porque esta geração poderá viver em tantos sítios, poderá ter tantos trabalhos. Portanto, é uma geração extremamente sortuda, porque terá mais tempo livre para ser mais criativa. Vai ter de aprender a explorar o cérebro e a conhecer-se melhor.

Como é que isso se faz quando vivem através dos smartphones, com muita comunicação, mas pouco contacto físico?
Esse é um problema, mas é porque esta é a primeira geração [a quem isso acontece], e vamos precisar de a lembrar de que precisam uns dos outros, de que são seres sociais, de que precisam de olhar uns para os outros, de maneira que compreendam que, por exemplo, não podem ser cruéis — o que é muito fácil sermos quando estamos nas redes sociais e não olhamos e não sentimos a outra pessoa. 

Mas os pais são os primeiros a pôr-lhes um aparelho nas mãos. O que podemos fazer de diferente?
Há dez rituais que tenho no livro que são exercícios para melhorar a vida familiar [a partir da pág. 351] e pu-los todos em prática com a minha família, e são todos lindíssimos. Em casa fazemos uma coisa a que chamamos “Thing” [pág. 352], que é uma assembleia familiar em que expomos as nossas preocupações e procuramos em família uma proposta para melhorar. Isso lembra que devemos ensinar às crianças, desde muito pequenas, como se expressarem sobre coisas de que não gostam e que as podem melhorar. Isso é um treino muito simples e bom, que lhes dá esperança. A ideia é ensinar uma competência. É importante falar com os filhos e ajudá-los a encontrar maneiras de serem melhores.

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Para isso é preciso tempo, e os pais queixam-se de que não o têm.
Temos o mesmo tempo que todas as gerações anteriores à nossa tiveram, que são 24 horas diárias. Destas, precisamos de oito para dormir, e temos um tempo de vida que não sabemos quando terminará. Por isso, as nossas prioridades têm de ser pensadas. Quando vemos, por exemplo, o tempo que as pessoas passam no smartphone ou a ver televisão, é por isso que não têm tempo para jantar com os seus filhos? Não. Toda a gente tem tempo. É bom lembrar às pessoas que têm tempo para as coisas importantes. Nós somos tão importantes uns para os outros — não só pais e filhos, mas todos os seres humanos —, e a única maneira que temos de comunicar é olhando-nos, falando, tocando uns nos outros e abraçando-nos.

Há tantas coisas que como pais podemos melhorar, lembrar como a alegria é importante para as relações. É importante rir com o outro, ser compassivo e, à medida que crescemos, esquecemo-nos de como a alegria é importante. Também é importante trabalhar as emoções negativas, não ter medo delas, fazer as crianças compreenderem que fazem parte da vida e que podemos fazer algo para melhorar, e isso faz com que tenham esperança, que sejam optimistas e resilientes. E não esquecer que eles aprendem com o nosso exemplo.

O seu último livro, editado em Espanha, chama-se Felices. Alguma vez seremos plenamente felizes?
Não! E é bom que seja assim, porque todas as emoções que nos tornam infelizes, medrosos, furiosos, competitivos, queremo-las na nossa vida. Porque nos fazem sentir vivos, nos fazem amar, porque nos motivam a querer mudar o mundo. Caso contrário, estaríamos sentados, só a ser...

...Felizes?
Sim, isso seria ridículo e não faria qualquer sentido! Essa ideia de felicidade é muito limitada. E ser feliz é ser útil, é ser corajoso, é ajudar os outros, é fazer coisas que nunca se fez antes, é sair da nossa zona de conforto. Tudo isso é ser feliz!

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