Novo presidente garante que Instituto do Cinema passará a decidir júris de concursos

Ano e meio depois, novo decreto-lei está ainda por aprovar, agora em fase de "afinação logística". Chaby Vaz quer mais "transparência" e internacionalização.

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paulo pimenta

A revisão do decreto-lei que regulamenta a Lei do Cinema, há mais de ano e meio em discussão, e a atracção de produções estrangeiras para Portugal marcaram esta quarta-feira a audição da direcção do Instituto do Cinema do Audiovisual (ICA) na Assembleia da República. Luís Chaby Vaz anunciou que o processo de revisão do decreto-lei, que dividiu o sector do cinema quanto ao tema dos júris dos concursos públicos, "está concluído” e “já está em circuito legislativo” — a SECA perderá o seu poder de selecção dos júris, frisou o presidente do ICA, reforçando uma ideia tornada pública pelo Governo.

Actualmente em fase de “afinação logística”, segundo o presidente do ICA, a nova versão do decreto-lei tem gerado um debate dominado pelo seu artigo 14.º, que define as fórmulas de escolha e intervenção dos júris da Secção Especializada de Cinema e Audiovisual (SECA), que se pronunciam sobre os projectos a concurso para apoios públicos. A SECA é um órgão consultivo presidido pelo ICA e integrado no Conselho Nacional de Cultura e nele têm assento os representantes de produtoras, operadores de televisão em sinal aberto e da TV por subscrição, distribuidores, exibidores e entidades como a Cinemateca Portuguesa.

Duas facções têm-se dividido sobre se o ICA deve nomear directamente os jurados ou se a SECA deve ter autonomia nesse processo. No final de Dezembro, a Secretaria de Estado da Cultura dizia ao PÚBLICO que, "de acordo com as novas regras, o ICA propõe uma lista de jurados, após consulta à SECA, a quem cabe a aprovação das listas efectivas e de uma bolsa de suplentes. Em caso de rejeição de alguma das listas de jurados, cabe ao ICA elaborar nova lista, para efeitos de aprovação em nova reunião da SECA. Mantendo-se a não aprovação de alguma das listas, cabe ao ICA a decisão final". 

Agora, e em resposta a uma pergunta do deputado bloquista Jorge Campos, Luís Chaby Vaz precisou que a direcção do ICA “acredita que não existem condições para as entidades que contribuem para o financiamento tomarem decisões” sobre os conteúdos cujo financiamento está em análise nos concursos. “Esse papel pertence ao ICA”, frisou o responsável, e “retirámos esse papel” aos operadores, disse. Ainda assim, lembrou o “papel importantíssimo” dessas entidades das telecomunicações, televisão, distribuição ou exibição na SECA, e seus representantes com seu “imenso conhecimento”.

A presença de Luís Chaby Vaz, presidente do Conselho Directivo do ICA, e de Maria Mineiro, sua vice-presidente, na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto foi solicitada em Janeiro pelo PCP, que quis fazer um ponto de situação sobre a revisão do decreto-lei 124/2013, bem como saber da visão estratégica da nova equipa directiva do ICA. Para Chaby Vaz, interpelado por Susana Lemos, deputada do PSD, o artigo 14.º “não é tão central assim” – “Não vemos o perigo de tomada de assalto do ICA por parte da SECA”.

Todo o “enorme consenso” em torno da revisão do decreto-lei confirmado após “meses e inúmeras discussões com associações do sector” não existiu com o artigo da discórdia, admitiu Chaby Vaz esta quarta-feira no Parlamento, onde esteve na assistência o cineasta Miguel Gomes, uma das vozes que mais se tem pronunciado sobre o tema da SECA. O responsável sintetiza o trabalho em torno do decreto-lei  como um “esforço de alguma desburocratização” nos processos dos concursos e de promoção da “agilidade de actuação”.

Outro dos focos da presença do ICA na Comissão foi a iniciativa Pic Portugal, um fundo de turismo e cinema já anunciado em Novembro pelo ICA e que da sua dotação de 50 milhões de euros destina 10 milhões ao incentivo a players estrangeiros de cinema e audiovisual. É uma resposta a um “sistema de incentivos fiscais que se revelou ineficaz”, disse Chaby Vaz, sistema esse que vigorou em 2017, e nasce de um despacho interministerial que envolve também o AICEP ou o Instituto do Turismo. Visa “atrair o máximo de produções internacionais mas também [projectos] em regime de co-produção”, completou Maria Mineiro.

Deve estar operacional em Março, disse a vice-presidente do ICA, funcionando como uma “espécie de balcão único” e sendo “uma forte aposta do ICA” que, sublinha, com “uma oferta de reembolso de 30% [em incentivos fiscais que] será a mais competitiva da Europa”. No mesmo âmbito, o ICA detalhou ter já reunido com as regiões de turismo nacionais e as diferentes film commissions existentes no país para estudar a criação de uma film commission nacional, que um despacho publicado em Janeiro em Diário da República definia que deve nascer até Maio.

À pergunta inicial, na sessão, da deputada comunista Ana Mesquita sobre se o ICA “tem os meios financeiros, materiais e humanos que lhe permitam ser mais” do que um instituto que seja um “mero gestor de concursos públicos”, Luís Chaby Vaz respondeu: “Vemo-nos com um papel mais amplo e estratégico”, embora a gestão concursal seja uma “parte nobre” das funções do instituto, admitiu. Sobre o tema, mencionou um trabalho na criação de uma “nova plataforma concursal” para gestão formal dos mesmos, mas também o aumento da “clarificação dos jurados na atribuição de financiamento”, obrigando-os a uma “maior explicação” da fundamentação das suas decisões.

“Não existe um direito natural a realizar, a produzir, a organizar festivais”, lembrou, falando em consternação por o instituto não poder “apoiar todos” por “condicionalismos financeiros”. Esse foi também o tom da sua intervenção final, em que Chaby Vaz admitiu as habituais limitações do sector em Portugal.

“O cinema português tem uma produção escassa e demasiado dependente do investimento público no sector”, há “escassez de meios” para a promoção ou divulgação, para a conservação do património ou diversificação dos circuitos de exibição. Defende um “esforço de diversificação de financiamento” e mencionou operadores actualmente afastados como os canais generalistas privados, mas também modelos estrangeiros como as “intervenções de fundos regionais ou autárquicos” ou as intervenções directas dos operadores de televisão por subscrição como produtores. “Seria benéfico, desafiarem o sector para produzir de acordo” com as suas visões.

Luís Chaby Vaz indicou que a declaração anual de prioridades do instituto para 2018 deve ser publicada em breve, e prometeu delinear "uma estratégia de fundo a oito/dez anos" para o sector com "fixação de metas quantitativamente avaliáveis".

A nova direcção do ICA foi nomeada em Maio de 2017, substituindo a equipa chefiada por Filomena Serras Pereira, que admitiu ter perdido capacidade de diálogo com o sector em torno da revisão do decreto-lei, sector que montou um protesto público no Festival de Berlim e assistiu ao dirimir de opiniões nas páginas dos jornais

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