“Por que é que não vemos mais filmes portugueses nos Estados Unidos? São óptimos”

Um dos convidados da quarta edição da Comic Con Portugal foi Edward James Olmos, que fez de tenente Castillo na série dos anos 1980 Miami Vice, e participou em séries como Battlestar Galactica e filmes como Blade Runner. Este ano, entrou também em Coco.

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Edward James Olmos na Comic Con MANUEL ROBERTO

No activo no teatro desde o final dos anos 1960 e no cinema e na televisão a partir da década de 1970, Edward James Olmos, o tenente Castillo da série Miami Vice, tem continuado a trabalhar regularmente ao longo de várias décadas. Veio à Comic Con a propósito de alguns dos maiores projectos de culto em que esteve envolvido: a versão da série de televisão Battlestar Galactica dos anos 2000, Blade Runner 2049, deste ano, em que retoma brevemente Gaff, a sua personagem do filme original de 1982, e o vindouro O Predador, o quarto filme da saga homónima. De fora do pretexto para a sua presença ficou Coco – mesmo estando representado na mostra –, o filme animado da Pixar a que o actor empresta a voz numa pequena e tocante cena.

Os trabalhos que o trazem à Comic Con são franchises bastante icónicos. Coco também se pode tornar um, mas o Edward não poderá fazer parte de futuros capítulos.
Pois não. Estou morto. Porque as pessoas não se lembraram de mim. Quão triste é isso? Acho que muitas pessoas que viram esse filme enão sabiam nada sobre o Dia dos Mortos agora pensam “Tenho de me lembrar dos meus avós e pais e tias e tios, devia lembrar-me dos meus irmãos e irmãs, se calhar já desapareceram porque não me pensei o suficiente neles.” E pelo menos um dia por ano passam tempo a pensar neles.

Coco entra bastante fundo numa cultura que não está muito bem representada em Hollywood. O Edward é cidadão mexicano, certo?
Sim, sou 1000% mexicano. Dos dois lados da família.

Como é que vê como evoluiu a forma como Hollywood trata papéis latinos?
Não evoluiu muito. Deixa muito a ser desejado. É um dos problemas desta forma de arte. Não só nos Estados Unidos. É a falta de capacidade de usar histórias que façam qualquer que seja a cultura de que se está a falar ganhar vida e tornar-se compreensível. Adoro o Coco por isso. Lida com um aspecto da cultura mexicana que não se percebe caso não se conheça bem a cultura. Acontece-me o mesmo quando vejo qualquer filme de regiões diferentes do mundo e permite experienciar algo que eu nunca viveria se não fosse o filme. Pode ler-se um livro, mas o impacto de um filme é esmagador.

Coco foi feito em colaboração com mexicanos e pessoas que percebem mesmo a tradição. É uma preocupação que dificilmente se teria há 20 anos. Vê isso como uma evolução?
É um passo à frente, sim. Mas é só um. Se houvesse mais, seria incrível. Mas não acho que vá haver.

Porquê?
As pessoas à volta do mundo e neste negócio têm uma certa mentalidade. Por que é que não vemos mais filmes portugueses nos Estados Unidos? São óptimos. Tenho um festival de cinema, já mostrei muitos.

Quais?
Não me lembro dos nomes agora, porque o faço há 15 anos. Mostramos filmes portugueses, espanhóis, latino-americanos, vindos de todo o mundo. É bonito, as pessoas ficam felizes por verem filmes que não passam nos Estados Unidos. É para isso que serve o Los Angeles Latino International Film Festival.

Conta, portanto, os portugueses como latinos.
Claro. E vocês são. Quer o aceitem, quer não, fica ao vosso critério. Mas são. Tal como os franceses, sem sequer saberem.

O Edward também é conhecido por chamar a atenção para questões sociais e culturais. Foi sempre assim?
Bastante. Até com o meu trabalho no teatro. Usei muito a minha cultura. Isso é bom. Fui capaz de fazer isso e não sentir que me estava a limitar. Aliás, acho que ajudou a atingir a plenitude das minhas capacidades. Não sei se teria chegado tão longe sem isso.

Mas expor-se assim não pode afectar o seu crescimento dentro da indústria?
Muito. É disso que falo: não tenho medo de ser um actor latino-americano. Muitos actores não querem ser classificados com um hífen. Não querem ser latino-nada. Querem ser actores americanos, ponto. Quando se olha para o Al Pacino, não se diz “o grande actor italo-americano”.

Ele também é uma espécie de actor latino-americano, com os papéis que fez em filmes como Scarface - A Força do Poder ou Perseguido Pelo Passado.
E fez muitos. Mas ele é só um actor americano. E muitos dos meus pares, como o Andy Garcia ou o Jimmy Smits, não usam o prefixo “latino”. Acham que isso os limita. Eu não vejo como uma vantagem. Já fiz papéis não-latinos. Muitos. E continuo a ser quem sou.

Já lhe ofereceram papéis degradantes?
Claro. No início. Porque é tudo o que costumavam escrever. Nunca faziam coisas grandes que fossem positivas.

Ou então davam-nas a Al Pacino.
Foi por isso que fiz o que eu fiz e criei o que eu criei.

O que é que nos pode dizer sobre O Predador, de Shane Black?
Foi um trabalho muito interessante. Não sei no que é que vai dar. Li o guião, era muito forte e bom, mas a execução era bastante diferente do que eu estava à espera. Tem muita piada. Muito humor. No mundo do Predador isso é bastante pouco usual. É bom que se possa estar a pensar “isto é hilariante” dentro de um mundo que nos está a assustar.

Como é que foi trabalhar com ele?
Ele é inteligente. Muito, muito inteligente. E escreve muito bem e realiza muito bem.

Mas o que é que se pode esperar do filme?
Não faço ideia. Só sei que fiz o que fiz e foi bastante bizarro. Ninguém sabe. Eles foram mesmo longe com este mundo e com o grupo de actores principal. Eram inacreditáveis. Quando cheguei eles tinham estado a trabalhar juntos por vários meses e eu apareci e foi difícil. Foi difícil porque eles eram hilariantes. O Keegan-Michael Key foi incrível. Ele e o Thomas Jane foram hilariantes.

É difícil para si fazer papéis cómicos?
Não. Não é difícil. É só que quando menos esperas fica hilariante. Então estás dentro da cena e estás a rir-te e não é suposto rires-te. A minha personagem não era suposto estar contente e a rir-se do que eles estavam a fazer. Tive de parar umas quantas vezes porque estava a morrer de riso.

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