Amnistia Internacional diz que os rohingya estão encurralados num regime de apartheid

A organização considera que a minoria muçulmana, perseguida há décadas, vive condições desumanas no país de maioria budista. As autoridades birmanesas têm sido acusadas de limpeza étnica.

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Os rohingya são alvo de abusos em "prisões a céu aberto" Reuters/MOHAMMAD PONIR HOSSAIN

No mesmo dia em que foi anunciado pelas autoridades do Bangladesh e da Birmânia que iriam começar nesta quarta-feira as negociações para criar condições para o repatriamento dos milhares de rohingya, a Amnistia Internacional publicou um relatório em que denuncia as condições de discriminação que a minoria muçulmana enfrenta no país e em que refere, na voz da directora de investigação da organização, Anna Neistat, que “não pode ser pedido aos rohingya que fugiram da perseguição na Birmânia que voltem para viver sob um regime de apartheid”.

Na sequência de vários confrontos e de discriminação, mais de 600 mil rohingya fugiram da Birmânia para o vizinho Bangladesh. Num relatório que analisa esse fenómeno e os anos que o antecederam, intitulado Enjaulados sem tecto: o apartheid no estado birmanês de Rakhine, a organização escreve que “o povo rohingya na Birmânia está encurralado num sistema perverso de discriminação institucional e sancionada pelo Estado que constitui apartheid”.

Segundo o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, o apartheid é um crime contra a humanidade em que se inserem uma série de actos cometidos no contexto de um regime de opressão ou de domínio por um grupo racial sobre qualquer outro grupo. E a minoria muçulmana é constantemente segregada e “alvo de abusos em ‘prisões a céu aberto’”, justifica a Amnistia, pedindo medidas para reverter a situação.

A directora de investigação da Amnistia Internacional, Anna Neistat, considera que o sistema em que vive a minoria é “desumanizante”, parecendo ter o único objectivo de “tornar as vidas dos rohingya tão humilhantes e sem esperança quanto possível”.

Rakhine é uma “cena do crime”

No relatório, é sublinhado que a “discriminação sistemática e sancionada” pelo governo birmanês não é recente e perdura há décadas. “O estado de Rakhine é uma cena do crime. E já o era bem antes da perversa campanha de violência militar dos últimos três meses”, lê-se na página da Amnistia Internacional.

“Os seus direitos são violados todos os dias e a repressão apenas se intensificou nos anos recentes”, acrescenta Anna Neistat, citada no site da Amnistia. “A campanha brutal de limpeza étnica levada a cabo pelas forças de segurança nos últimos três meses é apenas mais uma manifestação extrema desta atitude chocante”, diz, considerando urgente “repor os direitos e o estatuto legal” dos rohingya, constantemente atacados e perseguidos pela maioria budista do país. Também a ONU e o Congresso norte-americano já acusaram o Exército birmanês de limpeza étnica, acusações que têm sido rejeitadas pelas autoridades do país.

No próprio estado de Rakhine, antes da vaga de migração, a Amnistia revela que existiam já vários casos de violência e discriminação. O relatório descreve que fora do Norte de Rakhine, só algumas instalações médicas são acessíveis à minoria religiosa — “e mesmo nessas são mantidos separados em ‘enfermarias muçulmanas’, sob guarda da polícia”. A juntar a tudo isto, está a recusa de cidadania, uma “falta de direitos legais” que nega o estatuto de cidadão aos rohingya com base na sua etnia.

Já no mês passado a Amnistia Internacional denunciava que tinha sido perpetrados massacres, violações, destruição de aldeias e vilas inteiras, naquilo que considerava ser “uma estratégia orquestrada para forçar à fuga mais de meio milhão de pessoas daquela minoria étnica e religiosa, alvo de enraizada discriminação”.

A Amnistia Internacional pede às autoridades birmanesas que haja uma revisão de todas as leis discriminatórias (como o acesso à cidadania) e que se assegurem que o respeito pelos direitos humanos passe a ser uma prioridade – entre eles devem ser assegurados o direito à livre deslocação, a cuidados de saúde e à educação.

A fuga em massa de mais de meio milhão de rohingya da Birmânia começou na altura em que um grupo rebelde da minoria muçulmana atacou, em Agosto, as instalações policiais e militares do Estado birmanês de Rakhine – de onde é originária a maior parte dos que atravessam a fronteira – o que desencadeou confrontos entre os dois lados.

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