Merkel não desarma e aposta em eleições antecipadas

Falhanço das negociações coloca Alemanha perante um cenário inédito. Presidente vai negociar com partidos, mas à falta de alternativas poderá ter de dissolver Parlamento, prolongando incerteza.

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Para Merkel, “as eleições seriam um melhor caminho” do que um Governo minoritário AXEL SCHMIDT/REUTERS

A Alemanha, que preza como poucos a estabilidade, vive uma situação sem precedentes desde o final da II Guerra Mundial – o inesperado colapso das negociações para a formação de uma nova coligação de Governo força o país a confrontar-se com caminhos que são inéditos e arriscados. O desaire, o segundo em dois meses, pode ter ditado o início do fim do longo reinado de Angela Merkel, mas nesta segunda-feira a chanceler alemã mostrou-se combativa: disse preferir novas eleições a liderar um Governo minoritário e, se isso acontecer, assegura que será de novo candidata.

“Se houver novas eleições, temos que aceitar. Não tenho medo de nada”, disse Merkel numa entrevista à televisão pública ZDF, ao início da noite desta segunda-feira, acrescentando que “está pronta” para mais quatro anos de Governo a bem da estabilidade.

A notícia do falhanço caiu como uma bomba não só na Alemanha, mas na União Europeia que há quase dois meses aguarda pelo fumo branco nas negociações para avançar com as reformas que se acumulam na sua agenda. “É uma má notícia para a Europa”, resumiu o ministro dos Negócios Estrangeiros holandês, Halbe Zijlstra, enquanto o euro começava o dia a desvalorizar fortemente (ainda que acabando por recuperar até ao final da sessão).

Nunca desde a fundação da República Federal, em 1949, as negociações para a formação de um Governo tinham terminado em tão rotundo fracasso. Nunca antes a Alemanha se tinha deparado com a perspectiva de um Governo minoritário ou a repetição de eleições, as duas soluções mais plausíveis desde que Christian Lindner, o líder Partido Liberal Democrata (FDP), abandonou domingo à noite as negociações, com a lacónica explicação de que “é melhor não governar do que governar mal”.

Já se sabia que as discussões para a nunca antes tentada “coligação Jamaica” – a união das cores dos democratas cristãos da CDU (e do partido-irmão bávaro da CSU), dos liberais e dos Verdes – seriam difíceis e os últimos dias mostravam que o que sobrava em divergências ideológicas e programáticas entre as três formações escasseava em confiança. “As negociações ficaram marcadas pelo medo e não foi pelo medo de falhar. Foi pelo medo de ser vencido pelos outros se não ficasse tudo acordado até ao último detalhe”, escreveu Philipp Wittrock, editor de Política da Spiegel.

Nesta segunda-feira, os intervenientes trocavam acusações. Os Verdes acusaram a FDP de “encenar” uma decisão que já estaria tomada há vários dias. E o líder dos conservadores bávaros, Horst Seehofer, um dos que mais pressionaram Merkel a não ceder aos ecologistas no dossier da imigração, garantiu que os liberais apertaram o gatilho numa altura em que as outras forças se preparavam para um compromisso. Lindner, porém, garantiu que as divergências eram ainda enormes.

“Estávamos num caminho em que poderíamos ter chegado a um acordo”, limitou-se a dizer Merkel, visivelmente abatida, quando já de madrugada falou aos jornalistas para prometer que iria “reflectir” sobre a situação política e garantir que, independentemente do desfecho, iria garantir “que o país é bem gerido nas difíceis semanas que tem pela frente”.

SPD indisponível

A iniciativa passa agora para Frank-Walter Steinmeier, o Presidente alemão arrastado para o centro político pela actual crise e o único com poderes para dissolver o Parlamento. Um processo que não é automático – a Constituição prevê que só pode convocar eleições antecipadas depois de o Bundestag chumbar em várias votações nome que propuser para chanceler – e que Steinmeier se mostra relutante em accionar. “Espero que os partidos tornem possível a formação de um novo Governo num futuro próximo”, afirmou o chefe de Estado depois de receber Merkel, sublinhando que “não se pode simplesmente atribuir essa responsabilidade de novo aos eleitores”.

Steinmeier teme, como todas as outras forças políticas, que novas eleições abram caminho a novos ganhos da Alternativa para a Alemanha (AfD), o partido xenófobo que franqueou em Setembro as portas do Parlamento, onde é agora a terceira força política. E sabe que as sondagens indicam que novas eleições trariam resultados idênticos, com a CDU-CSU a vencer ainda que continuando distante de um resultado que lhe permita governar só com um parceiro de coligação.

Mas com a hipótese de uma coligação Jamaica enterrada e Merkel a manter-se reticente em liderar um Governo minoritário – “do meu ponto de vista as eleições seriam um melhor caminho” – só a renovação da actual grande coligação pode evitar uma nova ida às urnas. Os sociais-democratas (SPD) foram, no entanto, rápidos a repetir que não estão disponíveis para um acordo com Merkel. “Nesta situação, a soberania é dos eleitores que devem voltar a avaliar o que se está a passar”, disse o secretário-geral, Martin Schulz, com o apoio unânime da direcção do partido.

Merkel, tal como Steinmeier (ele próprio dirigente do SPD) ainda acredita que os actuais parceiros podem mudar de opinião e “assumir a responsabilidade” de manter-se no Governo. Mas deixou um aviso: não abandonará a liderança da CDU para facilitar um acordo. 

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