Mas afinal o que é pior: são os “hidratos” ou é a “gordura”?

O que o engorda a si não é o que engorda o seu colega do lado. O que ambos têm em comum é o excesso calórico. Descubra onde está a sua maior fragilidade alimentar e encontre estratégias para não se expor a ela.

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Recentemente tornou-se “viral” um estudo que indicava que os hidratos de carbono eram piores para a saúde do que a gordura. Não no sentido de “engordarem” mais, mas de estarem associados a um maior risco de mortalidade. A investigação científica na área da nutrição e alimentação tem tantas nuances e pormenores que extrapolar conclusões erróneas de qualquer estudo é bastante fácil. Em relação a este em particular, existem aqui e aqui duas boas análises críticas do mesmo e que explicam o que de facto são estes resultados.

Independentemente das fragilidades metodológicas por detrás deste estudo, se formos directamente aos resultados, aquilo que deu origem às várias notícias que crucificaram os hidratos de carbono foi um maior risco de mortalidade observado para os indivíduos com maior ingestão destes (74,4% – 80,7% das calorias totais da dieta), em comparação com os indivíduos com menor ingestão (42,6% – 49% das calorias totais da dieta).

Posto isto, importa referir que para qualquer pessoa (exceptuando eventualmente um atleta de endurance em plena fase competição), uma dieta com 77% do seu valor energético derivado de hidratos de carbono é uma absoluta obscenidade (até porque provavelmente não faz a devida compensação na ingestão de gordura e proteína e acaba por ter uma ingestão calórica muito elevada). Para se ter uma ideia, numa dieta com 2000kcal, 77% de hidratos de carbono (385g no total) equivalem à quantidade diária de 12 pães ou 12 bananas ou 12 latas de refrigerantes ou oito pratos relativamente cheios (200g cozinhadas) de arroz, massa ou batata. E se assumirmos que uma dieta com 77% de hidratos de carbono dificilmente tem só 2000kcal, estas quantidades dadas como exemplo até estão subestimadas. Aliás, neste estudo, mesmo o grupo com menor ingestão de hidratos de carbono (46,4%) apresenta um valor que pode ser demasiado elevado para um sedentário. Uma dieta com 46% de calorias provenientes de hidratos de carbono está bem longe de ser considerada “low-carb”, daí recomendar-se alguma contenção na histeria que os fervorosos adeptos deste tipo de abordagem nutricional sentiram assim que este artigo chegou às luzes da ribalta. Quanto à gordura, o grupo com maior consumo esteve nos 35% do valor energético, algo que é totalmente normal e recomendável e está muito longe de ser uma dieta “high fat” e de dizer que dietas ricas em gordura são mais saudáveis.   

Para além disso, a interpretação pública deste estudo conseguiu transformar um aumento do risco de mortalidade num aumento do risco de ganho de peso, ou seja, criou-se a narrativa de que “os hidratos engordam mais do que gordura e saiu agora um estudo que o comprova cientificamente!”.

É sempre difícil responder a nível populacional o que é que nos está a “engordar” mais, mesmo que existam inquéritos nacionais que tentem fornecer o máximo de informação sobre esta questão. Olhando para o recente inquérito alimentar nacional, apesar de 5,9 milhões de portugueses terem pré-obesidade ou obesidade, os dados da ingestão não parecem assim tão dramáticos quanto isso (até porque o under-reporting do que comemos é um fenómeno sobejamente conhecido nesta área de investigação). Em alguns grupos etários existe sem dúvida um consumo excessivo de refrigerantes, vinho e carne, mas não há um único alimento ou nutriente que isoladamente possa ser culpabilizado. Refira-se igualmente a dificuldade em avaliar a quantidade de gordura da confecção/tempero nas refeições, pois muita da tradição gastronómica portuguesa passa por assados e refogados generosamente regados em azeite.

Mais importante do que tentar responder a uma pergunta sem sentido sobre o que engorda mais os portugueses é perceber individualmente onde está a raiz do problema. Cada pessoa tem a sua própria história que leva a este desequilíbrio calórico que resulta em aumento de massa gorda. Uma razão pode ser porque come três pães com manteiga antes de jantar porque o compra “quentinho”, outra porque tem de almoçar sempre com clientes e nunca resiste aos salgadinhos nas entradas, outra porque escolhe sempre o pior prato do dia possível no local onde almoça, outra porque comprou manteiga de amendoim para ser mais fit, mas não resiste à tentação e acaba a comê-la às colheradas em frente à TV, outra porque começa por comer um quadrado de chocolate depois de jantar e só descansa quando termina a tablete, outra porque ao fim-de-semana faz uma dieta “líquida” mas de vinho, cerveja e cocktails, outra porque come 2-3 bifes por refeição, porque “peixe não puxa carroça”, e podíamos aqui continuar com dezenas de histórias diferentes.

Em todos estes exemplos, o nutriente “engordante” pode ser a gordura, os hidratos, a proteína ou o álcool. Cada indivíduo engorda porque de alguma forma come mais calorias do que as que gasta, mesmo que não se aperceba disso. Um dos padrões mais recorrentes que surgem ultimamente são as semanas limpas e os fins-de-semana desastrosos, isto é, pessoas consciencializadas para se portarem bem durante a semana, mas todas as calorias que vão poupando de segunda a sexta acabam por ser recuperadas ou no jantar de sexta e sábado, ou no brunch de domingo, ou no casamento/aniversário do fim-de-semana, ou em qualquer roteiro gastronómico que acontece por norma nestes dias.

Concluindo, o que o engorda a si não é o que engorda o seu colega do lado. O que ambos têm em comum é o excesso calórico. Descubra onde está a sua maior fragilidade alimentar e encontre estratégias para não se expor a ela. Quanto às discussões facebookianas sobre o que engorda mais ou o que aumenta o risco de morrer mais cedo, deixe-as para quem não tem mais nada para fazer ao seu tempo. 

A rubrica Estar Bem encontra-se publicada no P2, caderno de Domingo do PÚBLICO

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