O meu nome é Moore. Julianne Moore

A segunda aventura da agência secreta britânica confirma que Matthew Vaughn quer fazer filmes de 007 da era Moore - mas de Julianne, não Roger.

Foto
Desta vez, os agentes da Kingsman têm de se haver com Julianne, sublime como chefa de um cartel de droga

Por esta altura já não há como duvidar: Matthew Vaughn está a fazer-se desavergonhadamente a realizar um filme de 007. O único problema é que os guardiões do franchise Bond querem hoje em dia um Bond mais sério e torturado de acordo com os nossos tempos; ora, Vaughn quer fazer um Bond leve, fresco, desvairado como os Bonds da era Roger Moore, onde se salvava o mundo com uma miúda gira num braço, um sorriso no rosto e um trocadilho mais ou menos foleiro todos os cinco minutos. Kingsman, que Vaughn adaptou da banda-desenhada de Mark Millar e Dave Gibbons e entra agora no segundo filme, não é outra coisa: um Bond da era Moore que carrega a fundo na dimensão de cartoon de imagem real paredes-meias com o mau gosto ou o excesso mas que (vá-se lá saber como) se salva sempre com uma pirueta mais ou menos desconchavada.

É impossível levar a sério todo o absurdo que acontece em O Círculo Dourado, segunda aventura da agência secreta britânica escondida por trás de uma alfaiataria de Savile Row: os mortos afinal não morrem, os drogados são fechados em jaulas para aí morrerem, os braços cibernéticos têm vida autónoma. E é impossível porque, primeiro, este é um filme de acção com um ponto de vista liberal sobre a legalização das drogas (mas não dizemos mais para não estragar a piada). Segundo, tem a divina Julianne Moore a curtir que nem um castor ao lado de Colin Firth, Channing Tatum, Halle Berry e Jeff Bridges. Terceiro, tem Elton John a dar golpes de karaté em sapatos de plataforma enquanto manda a Moore para um sítio que nós cá sabemos e chama “darling” ao Firth. Isto depois de uma abertura imparável num táxi à solta pelas ruas de Londres ao som de Let’s Go Crazy de Prince.

O Círculo Dourado eleva o coeficiente paródico e humorístico por relação ao primeiro filme (Serviços Secretos, 2015); mantém a irrisão escarninha da sátira política do original; repete o mal-estar apocalíptico de um olhar muito pouco confortável sobre a sociedade contemporânea. Desta vez, os agentes da Kingsman têm de se haver com Julianne, sublime como chefa de um cartel de droga que é a executiva de maior sucesso do mundo, irritada porque ninguém a conhece e tem duas obsessões doentias, uma com a smalltown America dos anos 1950 e a outra com Elton John. A fleumática agência une esforços com a sua congénere americana, a Statesman, que se esconde por trás do negócio das bebidas alcoólicas, o que dá azo a muito humor de choque cultural estereotipado alegremente reforçado por Vaughn, que sabe que quanto mais estereotipadas estas coisas são melhor.

Não temos certeza que O Círculo Dourado seja melhor ou mais consistente que Serviços Secretos – falta-lhe o efeito surpresa, é desnecessariamente mais longo e menos transgressivo que o primeiro filme. Mas continua a estar naquela corda-bamba entre o genial e o idiota, entre o certeiro e o supérfluo, enquanto Vaughn demonstra saber filmar acção de modo quase balético, com as câmaras a fazerem proezas impossíveis sem nunca desorientar o espectador sobre o que está a acontecer onde. E Vaughn sabe como desarmar com o humor as coisas muito sérias de que fala (“Salvem vidas. Legalizem.”). Além do mais, desculpem lá, Julianne Moore é que é a Mulher Maravilha.

i-video
Sugerir correcção
Comentar