Rentrée: filmes que nos podem salvar

Que hipóteses ainda há para o colectivo?, perguntam A Fábrica de Nada e 120 Battements par Minute. São dois grandes filmes da rentrée. Para o espectador, Jean-Pierre Melville, os Safdie, os Lumière ou o DocLisboa podem também ser a salvação.

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Fábrica de Nada: quinta-feira nas salas
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120 Battements par Minute: depois da comoção em Cannes, um sucesso comercial em França
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Silverlake Life, de Tom Joslin e Peter Friedman
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O Samurai, de Jean-Pierre Melville
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Good Time, dos irmãos Safdie
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Lumière, de Thierry Frémaux
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Our Souls at Night: uma atenção à mecânica e à fragilidade desses corpos, à forma como duas belas criaturas, Fonda e Redford, agora existem

Pergunta-se aqui: onde é que está o colectivo? “Aqui” é A Fábrica de Nada, grande filme instável em movimento entre o ensaio e o musical,  uma proposta - feita por um colectivo de cineastas e argumentistas da produtora Terratreme - de pensamento e de agitação. Agora que é difícil ler o mundo. Feitas as contas às perdas (o património ideológico do século XX), e sendo a experiência angustiante, A Fábrica de Nada não deixa de procurar a sua utopia. Começa tudo pelo modelo formal e de produção que se inventa num filme sobre um grupo de operários no vazio de uma fábrica que vai encerrar: uma série de estocadas de autogestão. É um filme realizado por Pedro Pinho, mas é também um filme de Luísa Homem, Tiago Hespanha, Susana Nobre, João Matos e Leonor Noivo. É irresistível fazer dele, que chega às salas esta quinta-feira, um momento de renovação, excitação, pensamento. É isso uma rentrée.

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Em Maio em Cannes, onde A Fábrica de Nada foi apresentado na Quinzena dos Realizadores, outro filme quis saber das possibilidades do colectivo. Não eram muitos metros a percorrer entre a Quinzena e a secção competitiva do festival, onde se exibia 120 Battements par Minute, de Robin Campillo, sobre os anos 90 do Act Up de Paris, ramo da organização internacional de luta contra a sida, em que o activismo se forjou de forma eufórica e trágica. É um filme também em movimento: entre o pessoal e o colectivo, o pensamento e a acção, o documento e a fantasmagoria. Pergunta que hipóteses temos como grupo — é tremendamente melancólico a responder. Grande Prémio do Júri em Cannes, estreou em Agosto em França com cobertura de acontecimento (já ultrapassou os 600 mil espectadores, a expectativa é que atinja o milhão, representará a França nos Óscares). Chega aos ecrãs portugueses a 30 de Novembro. O mês para The Square, de Ruben Ostlund, Palma de Ouro de Cannes, filme oposto ao de Campillo: 120 Battements... recusa fazer das personagens marionetas de um espectáculo, The Square vai em frente nisso, é frio e cínico. Sendo, de novo, um filme sobre o colectivo. Demonstra a falta de empatia do grupo. Demonstra... talvez por isso perca algo da sua humanidade.

Já que se fala dos premiados nos festivais, o encontro com o Urso de Prata de Berlim, O Outro lado da Esperança, de Aki Kaurismaki, está agendado para Outubro.

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Good Time, a expressividade fantasista do caos, Josh e Ben Safdie

Recuemos a Setembro, que é agora: Good Time, a expressividade fantasista do caos que é o cinema de Josh e Ben Safdie - uma noite no submundo nova-iorquino  - chega a 29. No dia em que a Netflix programa Our Souls at Night, de Ritesh Batra, o quarto encontro entre Jane Fonda e Robert Redford : uma atenção à mecânica e à fragilidade desses corpos, à forma como essas duas belas criaturas agora existem.

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Grande Prémio do Júri em Cannes, estreou em Agosto em França com cobertura mediática de acontecimento (já ultrapassou os 600 mil espectadores), chega a Portugal a 30 de Novembro: 120 Battements par Minute

Outubro é o mês do Queer Porto 3, de 4 a 8, homenageando Peter Friedman. É um dos autores do espantoso Silverlake Life: The View from Here (1993), documento sobre os últimos meses da relação, e das vidas, de um casal com HIV, Tom Joslin e Mark Massi (é também sobre essas vidas, sobre esse tempo terrível e esse cinema chamado “seropositivo”, 120 Battements par minute)

Outubro é o mês de Blade Runner 2049, de Dennis Villeneuve. E de Al Berto, de Vincente Alves do Ó. E haverá mais portugueses ou títulos com participação portuguesa: A Floresta das Almas Perdidas, de José Pedro Lopes (Novembro); Alguém como eu, de Leonel Vieira (Novembro); Porto, história de um americano e de uma francesa que partilham na cidade uma noite que muda as suas vidas (realização do brasileiro Gabe Klinger, chega em Novembro); Peregrinação, de João Botelho.

É um português que abre o DocLisboa, Ramiro. de Manuel Mozos. O festival encerra com o brasileiro Era uma vez Brasília, de Adirley Queirós. Entre 19 a 29 de Outubro haverá Frederick Wiseman, Wang Bing, Abel Ferrara, Barbet Schroeder, Vera Chytilova, Laura Poitras ou Claude Lanzmann. E Grace Jones.

Mais festivais: o Lisbon & Sintra Film Festival (de 17 a 26 de Novembro) homenageia Isabelle Huppert, dedica-lhe retrospectiva - assim como a João Mário Grilo; de 27 de Novembro a 3 Dezembro, o Porto Post Doc propõe como tema Arquivo e Pós-Memória; de 4 a 17 de Dezembro, há Mostra de Cinema da América Latina, Espanha e Portugal, inserida no programa de Lisboa Capital Ibero-Americana da Cultura.

Um Crime no Expresso do Oriente, remake de Kenneth Branagh, está marcado para Novembro, tal como England is Mine, o biopic de Morrissey - chegará a Portugal na altura de disco novo. Dezembro: Downsizing, de Alexander Payne, Suburbicon, de George Clooney (nessa altura já se falará, e só se falará, de Óscares...), D’Après Une Histoire Vraie, de Polanski.

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Lumière!: os últimos dos inventores, os primeiros cineastas

A Festa do Cinema Francês (de 5 de Outubro a 12 de Novembro) organiza a integral de Jean-Pierre Melville (1917-1973), assinalando centenário do nascimento. Vamos habitar o narcisismo e o fetichismo (os chapéus... os espelhos...) de uma construção nocturna, onírica, vamos habitar uma intimidade  - literalmente: os filmes foram rodados no estúdio de Melville, onde os cenários reproduziam os espaços privados do realizador. A Festa abre com Lumière!, de Thierry Frémaux, que olha para Auguste e Louis como os últimos dos inventores do cinematógrafo e os primeiros cineastas. O cinema não tinha expresso ainda a sua gramática, mas é como se estivesse todo já no inconsciente das “tomadas de vista”. O filme de Frémaux é revelador, luminoso. Tal como Uma Viagem pelo Cinema Francês com Bertrand Tavernier, dirige-se ao fundo da condição (e da história) do espectador. Não é por acaso que no ciclo que a Cinemateca prepara para Janeiro 2018, sobre O Medo, a primeira sessão vai ser assim: L’Arrivée d’un train en gare de La Ciotat (1895), dos Lumière, e Psycho (1960), de Hitchcock.

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