Governo Passos negociou corte de 25 milhões no SIRESP mas deixou aprovação para Costa

Acordo com os privados ficou concluído em Abril de 2015 mas só foi implementado pelo actual Governo. Secretário de Estado de Passos afirma que “há explicações a dar” sobre este hiato e defende a nacionalização do sistema.

Foto
Fernando Alexandre, ao centro, numa cerimónia do Ministério da Administração Interna Rui Gaudencio

No dia 9 de Abril de 2015, às duas horas da madrugada, o Estado chegou a acordo com o consórcio privado que assegura o Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP). O secretário de Estado adjunto e da Administração Interna, Fernando Alexandre, concluía assim um ano de duras negociações com os accionistas privados desta PPP: a Galilei (ex-SLN), a Esegur (Grupo Espírito Santo e Caixa-Geral de Depósitos), a PT, a Motorola e a Datacomp. O resultado foi uma poupança de 25 milhões de euros, até ao final do contrato, em 2021, o que equivale a 11% do custo total que o Estado teria de pagar.

Porém, o processo só foi concluído em Dezembro, e já pelo actual Governo, com as assinaturas no contrato de renegociação dos secretários de Estado Jorge Gomes (do MAI) e Ricardo Mourinho Félix (das Finanças). Por que razão o anterior Governo não aprovou, em conselho de ministros, a renegociação, logo que a concluiu? Fernando Alexandre não tem resposta. “Não sei por que isto não foi aprovado em conselho de ministros. Há explicações que têm de ser dadas.”

O PÚBLICO tentou contactar (antes do fecho da edição de 23 de Junho e da publicação desta notícia) o então ministro da Presidência do anterior Governo, Luís Marques Guedes, pedindo-lhe uma explicação para este hiato, mas nessa altura não foi possível falar com o actual deputado do PSD. Esta quinta-feira, Luís Marques Guedes avançou ao PÚBLICO que o acordo só chegou ao Conselho de Ministros em Setembro de 2015, numa altura em que o Governo "considerava que estava em gestão", ou seja, limitado na sua capacidade de intervir em assuntos que não fossem "urgentes ou inadiáveis". Para explicar que o acordo não tenha sido despachado entretanto (entre Abril, quando é ratificado, e Setembro, quando chega ao Conselho de Ministros), Marques Guedes admite que pudesse ainda não dispor de todas as condições para ser aprovada, nomedamente o parecer das Finanças, obrigatório neste caso.

Mas esta não é a única pergunta sem resposta nesta complexa história

Quando foi convidado para secretário de Estado adjunto do Ministro da Administração Interna (MAI) – substituindo Juvenal da Silva Peneda, que saiu do Governo de Pedro Passos Coelho depois do caso dos swaps – Fernando Alexandre deparou-se com uma proposta dos serviços do ministério. Se havia onde cortar (e os cortes eram a regra nesse ano da troika de 2013), o SIRESP era um bom ponto de partida.

O ex-governante lançara a pergunta aos serviços confrontado com uma emergência. O MAI precisava de substituir 70 milhões de euros, que eram o montante de dois meses de cortes salariais declarados inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, e não se queria render às propostas de cortes transversais sugeridas pela troika.

Foi aí que avançou a ideia da renegociação. E logo com outra pergunta sem resposta: numa altura em que todas as PPP estavam em processo de renegociação com os privados, uma das mais emblemáticas medidas do memorando assinado com a troika em 2011, por que razão não se iniciara algo de semelhante com o SIRESP?

Fonte do ministério da Administração Interna da altura recorda ao PÚBLICO que à proposta de Fernando Alexandre para iniciar esse processo com o SIRESP um director-geral do ministério lhe terá sugerido, antes, “um almoço com o dr. Fernando Lima da Galilei”. O governante recusou a sugestão. Mas só conseguiu iniciar a negociação propriamente dita um ano depois, em Abril de 2014.

Entretanto, o Governo munira-se de um relatório de avaliação do sistema, elaborado pela consultora KPMG, que é de teor “reservado”, mas segundo fontes próximas do processo revela algumas das principais debilidades do SIRESP, como o preço – o serviço de manutenção estava a custar o dobro do preço normal de mercado – e a baixa autonomia das fontes de energia das estações emissoras.

Os primeiros a conhecer o resultado do relatório foram, naturalmente, as forças operacionais que usam este serviço de comunicações. Mas o “conselho de utilizadores”, um mecanismo que devia ser de consulta periódica, nunca tinha sido reunido antes de 2013, nos oito anos anteriores em que o SIRESP esteve em funcionamento.

Outro pormenor: o Conselho de Administração do SIRESP, composto por três elementos, representantes dos accionistas privados da PPP, auferia remunerações anuais de 700 mil euros – o que para o Estado também era uma questão relevante, sobretudo numa época em que o salário mínimo estava congelado e os trabalhadores públicos e pensionistas sofriam cortes significativos.

Não foi fácil renegociar. Algumas fontes do processo falam em “gritos” e “murros na mesa”. Onde todas convergem é numa ideia: “Foram negociações muito duras…” Os accionistas mostravam-se intransigentes. Mas o Estado tinha duas armas ao seu dispor. Uma não usou. O PÚBLICO sabe que o MAI chegou a sugerir à Parvalorem (a entidade pública que gere os activos “maus” do extinto BPN) que tomasse conta da participação da Galilei no SIRESP, dada a elevada dívida daquela sociedade (ex-SLN) ao Estado português – que à data seria superior a mil milhões de euros. A Parvalorem não avançou para essa solução.

A outra arma foi fruto de uma coincidência temporal. A PT estava a ser vendida à Altice, no início de 2015 (que foi concluída em Junho desse ano) e precisava de estabilizar as suas participações em parcerias como a do SIRESP. Para transferir a quota que detinha na PPP, a telefónica precisaria da autorização do MAI. E o MAI fez depender essa autorização do acordo final na renegociação do SIRESP.

Foi assim que, no dia 9 de Abril de 2015, às duas da manhã, as partes chegaram a acordo. Uns dias depois, a 14 de Abril, a renegociação foi ratificada. Com este passo ficaria apenas a faltar que a ministra da tutela, Anabela Rodrigues, levasse o assunto a Conselho de Ministros para aprovação.

Fernando Alexandre, economista e professor na Universidade do Minho, pediu a demissão no dia 22 de Abril, deixando o dossiê fechado. Mas teve de esperar oito meses, e a tomada de posse de um novo Governo, para o ver finalmente em prática. O Estado não foi prejudicado pelo atraso, sulinha Marques Guedes, uma vez que o acordo assinado em Dezembro de 2015 permitiu à mesma poupar os cerca de quatro milhões referentes àquele ano, na renegociação.
Hoje, Fernando Alexandre não tem dúvidas: a melhor solução para o SIRESP seria a sua nacionalização, por forma a conter os elevados custos e solucionar as suas falhas. O pior, adverte, seria uma solução “tipicamente portuguesa”: “O acordo acaba em 2021. Agora toda a gente critica o SIRESP. No futuro o que não devia acontecer era que um Governo decidisse comprar um novo sistema e aplica-lo de raiz.”

Artigo actualizado às 11h22 de 23/06/2017: Acrescenta as declarações de Luís Marques Guedes, ex-ministro da Presidência.

Sugerir correcção
Ler 50 comentários