Manuel de Seabra e também Olivença

Apontamentos ibéricos: em Barcelona morreu Manuel de Seabra e em Olivença celebra-se o 10 de Junho.

A escassos dois dias de mais um 10 de Junho, ainda há tempo para corrigir duas injustiças: o quase silêncio nacional perante a morte de Manuel de Seabra (em 22 de Maio, em Barcelona) e a pouca atenção dada aos crescentes sinais de vitalidade da cultura portuguesa em Olivença.

Manuel de Seabra, de seu nome completo Ernesto Manuel de Seabra Ferreira Bértolo, nascido em Lisboa em 7 de Julho de 1932, foi um escritor, jornalista e tradutor português de vocação babélica: traduziu inúmeros textos directamente do francês, espanhol, catalão, inglês, provençal, russo, chinês, italiano e tem obras publicadas em português, catalão e esperanto. A Catalunha, diga-se, viria a ser a sua segunda pátria, quando não mesmo a primeira, já que ele passou uma boa parte da sua vida em Barcelona, onde morreu. Opositor do salazarismo, preso e forçado ao exílio, Manuel de Seabra andou desde 1954, ano em que deixou Portugal, entre cidades: Paris, Estocolmo, Rio de Janeiro, São Paulo, Londres (trabalhou na BBC durante oito anos) e, claro, Barcelona. Nestas, foi jornalista, publicitário e tradutor, escrevendo em simultâneo obras suas. E se traduziu para português obras dos catalães Fèlix Cucurull ou Pere Calders, traduziu também para catalão obras de Fernando Pessoa, Miguel Torga e Jorge Amado, mas igualmente de Henry Miller, Jack Kerouac ou Tom Wolfe. Fez, com real empenho e profundo conhecimento, a ponte entre as culturas portuguesa e catalã, tal como o fez Cucurull, escritor e seu amigo. Nos anos 1980 organizou e publicou, inclusive, o Grande Dicionário Português-Catalão, obra feita em parceria com a sua mulher, Vimala Devi, pseudónimo literário de Teresa da Piedade de Baptista Almeida.

As antologias que elaborou e prefaciou para a editora Futura são marcos no género. Refiram-se, entre outras, a Antologia da Poesia Provençal Moderna (com Louis Bayle, 1972), a Antologia da Novíssima Poesia Norte-Americana, a Antologia da Poesia Soviética (ambas de 1973), a Antologia da Novíssima Poesia Catalã (1974) ou a Antologia da Poesia Visual Europeia (esta em parceria com Josep M. Figueres, 1977, e incluindo alguns poemas visuais seus). Em Portugal foi distinguido com o 1.º Prémio Abílio Lopes do Rego, da Academia das Ciências (1973), e na Catalunha recebeu em 2001 a Creu de Sant Jordi (Cruz de S. Jorge). Foi devido a Ramon Font, delegado em Lisboa do governo da Catalunha, que a morte de Manuel de Seabra foi conhecida em Portugal. Teria merecido maior eco, por tudo o que lhe devemos.

Olivença, já que falamos de Espanha e Portugal, é outro caso. Sem cuidar do antigo problema da soberania (tacitamente adormecido), tem vindo a aumentar desde há uns anos o número de oliventinos que adquiriram nacionalidade portuguesa, por iniciativa da Associação Cultural Além Guadiana. Se no final de 2014 eram 80, até 2017 esse número quase decuplicou. Em 2015 houve (e quem o recorda é Carlos Luna, professor, militante activo da causa cultural portuguesa em Olivença) “colóquios, debates e exposições a recordar o papel de Olivença e dos oliventinos na Expansão Portuguesa” (e ele refere dezenas, entre eles Estêvão Vaz da Gama, pai de Vasco da Gama, Aires Tinoco, João Vicente da Fonseca, Padre Manuel Fernandes ou Lourenço Mexia). E houve também um encontro, na Câmara de Olivença, para se elaborar um Plano Estratégico para a Língua Portuguesa (usada por 35% dos locais), “visando o seu estudo e recuperação”. Desde 2011 que 74 ruas recuperaram antigos nomes portugueses, ao lado dos espanhóis; e desde 2008 que ali se realizam festivais lusófonos, a par de feiras do livro (a primeira oficial foi em 1931).

Agora, celebra-se ali pela segunda vez o Dia de Portugal (a primeira foi em 2016), no 10 de Junho. O cartaz exibe as bandeiras de todos os países da CPLP e as comemorações ocorrem com o beneplácito da Câmara local, com o seu presidente a abrir a cerimónia e representantes de instituições lusófonas e espanholas. Haverá teatro, música (um concerto do grupo Alma de Coimbra, no Convento São João de Deus) e até uma missa em português, ao final da tarde, na Igreja de Madalena. Se em Olivença persiste uma memória portuguesa, que se celebre, ao menos, na cultura.

Correcção: No último parágrafo desta crónica, onde estava, por involuntário lapso, "um concerto denominado Alma de Coimbra", passou a estar, correctamente, "um concerto do grupo Alma de Coimbra", já que Alma de Coimbra é o nome do grupo (coral e instrumental) que dará o dito concerto, grupo esse reconhecido como Instituição de Utilidade Pública e cujo trabalho pode ser seguido através do seu endereço na internet. Aqui fica, portanto, a indispensável correcção, com o devido pedido de desculpas aos leitores e aos visados.

Sugerir correcção
Comentar