ICA tem nova direcção, mas a oposição no terreno continua

Agentes do cinema e do audiovisual concordam com mudança no Instituto, mas continuam a divergir quanto às boas soluções para o sector.

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Paulo Pimenta

Uma inesperada, e certamente episódica, unanimidade verificou-se relativamente às mudanças acontecidas no final da semana passada na direcção do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA). A demissão da anterior direcção presidida por Filomena Serras Pereira – logo seguida pela nomeação, pelo Ministério da Cultura, de uma nova equipa, com Luís Chaby Vaz na presidência e Maria Mineiro na vice-presidência – foi saudada pelas diferentes sensibilidades do sector como algo esperado, inevitável e necessário.

Já quanto às expectativas que os agentes no mundo do cinema e do audiovisual no país manifestam relativamente à nova direcção do ICA, as posições voltam a divergir, reassumindo a oposição dos últimos anos.

António-Pedro Vasconcelos, presidente da Associação de Realizadores de Cinema e Audiovisual (ARCA), diz conhecer Luís Chaby Vaz do seu trabalho na administração da Tobis e da embaixada de Portugal em Madrid. “Resta saber” se a nova direcção não irá “apenas gerir o lamentável status quo”, e se irá ter o apoio do ministro da Cultura, que “já revelou uma total negligência” na forma como tem enfrentado os problemas do sector e “uma incapacidade lamentável em fazer as reformas que há muito se impõem”, acusa o realizador.

Do outro lado, a Plataforma das Associações e Entidades do Cinema – que agrupa 14 entidades do sector, entre as quais estão a Associação Portuguesa de Realizadores (APR) e a Associação de Produtores de Cinema Independente (APCI), mas também festivais como o Curtas Vila do Conde ou o DocLisboa – reagiu com um comunicado em que acusa também o secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, que tutela a área do cinema, de ser o responsável por “um corte de quase 3,4 milhões de euros nos programas de apoio” anunciados a 8 de Maio com a publicação dos regulamentos no Diário da República. Aos 17,84 milhões de euros anunciados para o corrente ano, a Plataforma contabiliza um corte de cerca de 24% relativamente a 2016. E lamenta também a diminuição, em 60%, dos apoios às primeiras-obras de longa-metragem de ficção, e ainda o corte total aos apoios à co-produção com os Países de Língua Oficial Portuguesa.

“Não à Lei SECA”

Já no domingo à noite, no decorrer da cerimónia dos Globos de Ouro da SIC, dois dos premiados na área do cinema, o actor Nuno Lopes (melhor interpretação masculina, no filme Posto Avançado do Progresso) e o produtor Luís Urbano (melhor filme, Cartas de Guerra), aproveitaram a ocasião para manifestarem a sua posição face às mais recentes decisões da SEC: Urbano mostrou um cartaz com a inscrição “Não à Lei SECA”; Nuno Lopes disse esperar que “a Lei SECA acabe rapidamente”.

No centro da questão continua a estar, pois, o papel da Secção Especializada do Cinema e do Audiovisual (SECA) do Conselho Nacional de Cultura na definição dos júris dos concursos e da política de apoios à produção, que tem sido, desde há anos, o principal campo de batalha entre dois grupos e duas sensibilidades no terreno. Uns defendendo que a escolha dos jurados compete aos membros da SECA; outros, que ela deverá ser incumbência do ICA.

Confrontado, esta terça-feira, pelo PÚBLICO com estas questões, Miguel Honrado não quis responder. À entrada, nas instalações da SEC no Porto, onde ia abrir uma jornada intitulada Cultura e Ciência: Comunicação e divulgação, o secretário de Estado da Cultura limitou-se a dizer que esse não era “o momento para abordar outros temas” que não os da sessão a que ia presidir.

Ainda esta terça-feira, o Bloco de Esquerda viu aprovado na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto da Assembleia da República um requerimento para a audição da direcção demissionária do ICA. Apesar de o pedido ter sido apresentado com "carácter de urgência", a presidente da Comissão, Edite Estrela (PS), disse ao PÚBLICO que a agenda não permitirá que essa audição se venha a fazer antes do final do mês de Junho.

Mudar a lei

Na ronda feita pelo PÚBLICO junto dessas diferentes sensibilidades, Margarida Gil, presidente da assembleia-geral da APR, manifestou, respondendo por email, o desejo de que a nova direcção do ICA perceba que “conta com interlocutores atentos e organizados, muito conscientes da gravidade da situação actual”. E enunciou os “cortes disfarçados e a ausência de diálogo”, mas também o novo regulamento – “que continua a ser o mesmo que tanto contestámos”, nota – como temas a entrar na agenda do secretário de Estado, e também do ICA. “A nova direcção não vai ter a vida facilitada se quiser continuar a dizer uma coisa e a fazer outra”, acrescenta a realizadora de O Anjo da Guarda.

António-Pedro Vasconcelos – respondendo também via email – insiste, uma vez mais, na necessidade de mudança da Lei do Cinema. Mas “enquanto não há a coragem de mudar a lei e acabar com o actual sistema dos concursos e dos júris” – acrescenta o realizador de Os Imortais –, o dirigente da ARCA exige “a consagração dos poderes da SECA para propor e votar os jurados”, a alteração dos regulamentos dos concursos filme-a-filme e, à semelhança do que acontece no teatro, “a adopção dos contratos-programa plurianuais com os produtores que preencham certos requisitos, aos quais seriam atribuídos 50% das verbas para a produção”.

A partir de Guimarães, onde em 2009 fundou a produtora Bando À Parte, Rodrigo Areias explica por que tem evitado pronunciar-se publicamente sobre estes temas. “As minhas opiniões, tenho-as manifestado nos lugares próprios”, diz o realizador-produtor, referindo-se às suas intervenções na SECA, que também integra. “Mas recuso-me a entrar na luta da nomeação dos júris que futuramente me vão avaliar”, acrescenta Areias, defendendo que esse papel “cabe ao ICA”, e lamentando “a promiscuidade que atingiu o sector”.

Mais importante do que estas questões, acha o produtor vimaranense, é as gentes que trabalham no cinema e no audiovisual só terem “conhecimento das regras do jogo a meio do ano, quando tudo deveria ter sido decidido e comunicado até 31 de Outubro”.

Notícia actualizada com a referência à aprovação do pedido de audição da direcção demissionária do ICA no Parlamento.

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