Ex-conselheiro de Trump recusa-se a entregar documentos ao Senado

Michael Flynn foi intimado pela comissão que investiga suspeitas de conluio entre a campanha de Donald Trump e o Governo russo, mas invocou a 5.ª Emenda.

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Michael Flynn foi forçado a demitir-se pouco depois de ter sido nomeado conselheiro de Segurança Nacional Carlos Barria/Reuters

Um dos mais importantes suspeitos no caso das possíveis ligações entre a equipa de Donald Trump e o Governo russo, o general Michael Flynn, recusou-se a cumprir uma intimação do Senado norte-americano e não vai entregar documentos considerados importantes para a investigação.

Flynn foi nomeado conselheiro de Segurança Nacional assim que o Presidente Donald Trump tomou posse, mas foi forçado a demitir-se apenas 24 dias depois por não ter contado ao vice-presidente, Mike Pence, tudo o que foi discutido durante reuniões com o embaixador da Rússia em Washington.

No ano passado, Michael Flynn reuniu-se com o embaixador Sergei Kisliak na qualidade de conselheiro da campanha de Donald Trump. Depois dessas conversas, já em Novembro, o então Presidente Barack Obama avisou Trump de que Flynn poderia ser alvo de chantagem da Rússia por causa das promessas de favores que terá feito às autoridades do país – um aviso repetido pela então procuradora-geral interina, Sally Yates, com base em informações dos serviços secretos norte-americanos.

O general acabou por se ver forçado a apresentar a demissão depois de se ter descoberto que escondeu do vice-presidente, Mike Pence, os aspectos mais comprometedores das conversas com o embaixador russo.

Quando saiu da Administração Trump, Flynn ofereceu-se para depor na comissão do Senado que está a investigar as suspeitas de ingerência russa nas eleições norte-americanas de 2016 com a possível colaboração de membros da campanha de Donald Trump. Mas a condição era que essa comissão lhe desse imunidade, algo que os senadores não aceitaram.

5ª Emenda

No final do mês passado, a comissão do Senado intimou Michael Flynn a entregar uma série de documentos considerados importantes para a sua investigação, depois de o general se ter recusado a apresentá-los voluntariamente. Mas esta segunda-feira soube-se que Flynn também se recusou a cumprir a chamada do Senado, invocando a 5.ª Emenda da Constituição norte-americana – que diz, basicamente, que ninguém é obrigado a contribuir para a sua própria incriminação.

Invocar a 5.ª Emenda é um direito, mas tem os seus custos perante a opinião pública. No caso particular de Michael Flynn, a decisão pode explicar-se também com a existência de várias investigações com o mesmo objectivo – a recusa de Flynn diz apenas respeito à comissão do Senado, mas a outra câmara do Congresso (a Câmara dos Representantes) também tem uma comissão a trabalhar no mesmo assunto. Mais importante do que estas é a do FBI, que é a única que tem poderes para recomendar acusações criminais.

Há duas semanas, o Presidente Donald Trump despediu o director do FBI, James Comey, que era o responsável por essa investigação. No final da semana passada, depois de muitas pressões do Partido Democrata e de várias notícias sobre o à-vontade com que Donald Trump fala com representantes russos na Casa Branca, o Departamento de Justiça nomeou um procurador especial para liderar a investigação do FBI – o escolhido foi Robert Mueller, director do FBI entre 2001 e 2013, com a confiança dos presidentes George W. Bush e Barack Obama.

Como esta decisão veio dar mais poder à equipa do FBI que investiga as suspeitas, muitas das pessoas que foram ou que ainda vão ser intimadas pelo Congresso podem preferir centrar-se apenas na investigação mais importante (a do FBI), a conselho dos seus advogados.

Procurador especial mas dependente

Apesar de ter muito mais autonomia do que o director do FBI para investigar as suspeitas de conluio entre a campanha de Donald Trump e as autoridades russas, Robert Mueller continua, em última instância, dependente do Presidente norte-americano.

Nos Estados Unidos já não existe a figura do procurador independente que não pode ser demitido pelo Presidente a não ser em casos de erros grosseiros na condução da investigação. Essa figura foi criada por causa do escândalo de Watergate, que levou à resignação do então Presidente Richard Nixon, mas foi extinta pelo Congresso em 1999 – depois de Watergate, das investigações à venda de armas ao Irão durante a presidência de Ronald Reagan e do impeachment de Bill Clinton, nem o Partido Republicano nem o Partido Democrata estavam interessados em manter no sistema uma figura com tantos poderes e tanta independência.

O responsável nomeado na semana passada pelo Departamento de Justiça não tem de informar o procurador-geral, o procurador-geral adjunto e a Casa Branca sobre as suas actividades diárias, mas legalmente pode ser afastado pelo Presidente norte-americano – se, no final da investigação (que pode demorar vários anos), a equipa de Robert Mueller recomendar ao Departamento de Justiça que formule uma ou várias acusações, o Presidente pode considerar que o responsável está a prejudicar o sistema político do país e afastá-lo, fazendo com que as investigações voltem à estaca zero.

Uma decisão deste tipo teria sérias consequências negativas para a imagem do Presidente, mas é uma arma que a Casa Branca tem na sua mão. Se o caso vier a atingir o Presidente – com a revelação na imprensa de gravações comprometedoras, por exemplo, e mesmo sem que o FBI recomende acusações –, a Câmara dos Representantes pode aprovar por maioria a destituição do Presidente, para que ele seja julgado no Senado. Foi isso que aconteceu com Bill Clinton em 1993 – o Presidente foi de facto destituído, mas acabou por ser ilibado no Senado, pelo que voltou a assumir as suas funções.

A aprovação de um impeachment contra Donald Trump é difícil neste momento porque o Partido Republicano está em maioria na Câmara dos Representantes e no Senado. Mas tudo pode mudar em Novembro do próximo ano, se o Partido Democrata recuperar a maioria nas duas câmaras.

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