A mãe de todas as bezanas

O espanhol Nacho Vigalondo subverte a comédia romântica e o filme de monstros com uma mistura delirante de Godzilla e Jovem Adulta

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Se outro motivo não houvesse para recomendar Colossal, bastava este: Anne Hathaway é uma milennial desempregada que apanha besanas de caixão à cova e quando acorda descobre que as suas besanas trazem ao de cima um monstro esquisito que anda a aterrorizar Seul. A coisa não é tão linear como isto dá a entender, mas no essencial é isto, e é isto que faz de Colossal fita bem mais merecedora de atenção do que o vulgar de Lineu do moderno filme fantástico. A quarta longa do espanhol Nacho Vigalondo, revelado faz agora dez anos com Os Cronocrimes, é menos um filme de monstros (embora também o seja, em modo de Godzilla de trazer por casa) e mais uma comédia romântica a dar para o azar com monstros pelo meio. Na sua base está a história, já basto repisada por “n” indies ou falsos-indies americanos, da miúda que saiu do vilarejo para ir para Nova Iorque e regressa com o rabinho entre as pernas porque os seus sonhos não se concretizaram.

Vigalondo traça o percurso de regresso de Gloria/Anne Hathaway à “vida normal”, depois de ser posta fora pelo namorado farto das besanas, através do seu regresso à casa da família e ao encontro com Oscar (Jason Sudeikis), um antigo colega de escola que gere agora o bar do pai. Até ao momento em que começa a perceber que o monstro que aparece irregularmente em Seul parece duplicar exactamente os movimentos de Gloria: sempre que ela passa pelo parque infantil ao pé da escola, o monstro aparece em Seul e faz estragos que amplificam o que quer que seja que ela estava a fazer no momento.

Como metáfora do “andas a dar cabo da tua vida”, ou do “demónio da bebida” que já vira Gloria ser posta fora de casa pelo namorado, ou do “id profundo” à solta no mundo real, a coisa não é exactamente subtil. Mas o modo seco, quase banal, como Vigalondo gere o humor e a entrega dos actores, e sobretudo de uma Anne Hathaway a curtir que nem um castor como party girl ressacada a tentar perceber o que raio lhe está a acontecer e de um Jason Sudeikis impecável no seu frustrado provinciano, mais do que compensam as fraquezas de Colossal. Que as há, sobretudo quando o realizador começa a tentar explicar racionalmente uma situação que funciona precisamente porque não é racional. Mas pronto, o homem meteu-se num beco sem saída e tem de sair dele de alguma maneira.

Se conseguirem pôr de parte esses pormenores, este misto delirante entre Planeta ProibidoJovem Adulta, Godzilla e Ray Harryhausen, esta Batalha do Pacífico do quintal do bairro, é uma das coisas mais divertidas e bem pensadas que agora andam por aí.

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