Suspender e dobrar o tempo

O tempo da memória, dos sonhos, dos traumas: Show Room, por Los Carpinteiros.

Foto
Marco Antonio Castillo forma com Dagoberto Rodriguez Los Carpinteiros ENRIC VIVES-RUBIO

Uma exposição chamada Show Room de um colectivo de artistas chamados Os Carpinteiros instalada numa antiga carpintaria de Lisboa onde se fabricavam móveis, corre não só o risco da literalidade como de uma intensa redundância. Mesmo assim, e conscientes desses riscos, curadoras e artistas decidiram apostar nesse risco e transformá-lo numa estratégia conceptual e construtiva.

É uma estratégia conceptual porque a utilização deste espaço, em oposição a uma sala branca de uma galeria ou museu, reactiva o elemento político relacionado com as questões da memória de um lugar abandonado e esquecido. Depois porque actuar num local que ainda mostra as cicatrizes profundas do seu abandono maximiza a ideia de este ser um show room impossível: a memória da destruição e da dificuldade em obter madeira para construir em Cuba e todos os fantasmas do isolamento e do afastamento das dinâmicas do mundo ocidental são aqui intensificados. Poderia ser aqui instalada outra obra destes artistas porque em todas elas se encontram ecos da seu passado e da história deste colectivo de artistas residente em Havana, mas a utilização do mobiliário doméstico estabelece um diálogo com as ideias de manufactura, oficina e de ambiente doméstico que os artistas tantas vezes exploram no seu trabalho e que se tornam particularmente relevantes no contexto desta sua primeira exposição em Portugal.

A redundância também é uma estratégia construtiva porque, em contraste com a maneira como os artistas têm mostrado esta obra (foi apresentada pela primeira vez em 2008 durante a semana da arte em Havana), normalmente utilizando exclusivamente móveis Ikea, aqui tentaram retomar os móveis produzidos no espaço onde agora exibem esta versão de Show Room. Para além da diferença material e formal que a alteração do material de construção confere a esta versão, a utilização dos móveis de uma fabrica de móveis deco muito activa no princípio do século XX realça que a manipulação do tempo é aqui um elemento determinante: materializar e suspender um momento de uma explosão é um modo poético de colapsar e suspender o tempo. A maneira como os estilhaços e fragmentos da matéria ficam em suspenso e um relógio é parado mostram que muito mais que operações materiais e plásticas, o trabalho destes artistas é sobre as texturas e dobras do tempo. Aqui não se trata de um tempo cronológico, mas de um tempo muito mais próximo das ideias de intensidade e profundidade: não é o tempo do relógio, mas o tempo da memória, dos sonhos, dos traumas.

Para além da muito pertinente relação com o contexto de Lisboa em que mostram esta nova versão da obra de 2008, em Show Room estão inscritos muitos dos aspectos que resgatam estes artistas em ser lidos como um caso local bem sucedido e os colocam no centro de uma dinâmica criativa que não se liga exclusivamente à sua origem, mas que estabelece um diálogo com importantes movimentos e preocupações artísticas. A sua fama e a facilidade como têm circulado intensamente nos mais conceituados circuitos europeus e americano, mostra tratar-se de uma obra que fala a dois tempos: por um lado fala da condição do trabalho artístico no contexto cubano (é impossível não integrar a obra deste colectivo nesse contexto cultural, político e social), mas por outro lado é uma prática artística que encontra nas aflições deste nosso mundo comum o seu princípio de desenvolvimento.

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