Vice-presidente de Angola acusado de corromper procurador português

Ministério Público português acusa Manuel Vicente de corrupção activa. Terá dado 760 mil euros a Orlando Figueira que encerrou duas investigações que o visavam por branqueamento de capitais.

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Manuel Vicente Carlo Allegri / Reuters

Manuel Vicente, vice-presidente de Angola e ex-presidente da Sonangol, foi acusado em Portugal de um crime de corrupção activa, outro de branqueamento e outro de falsificação de documento, no âmbito da Operação Fizz, a mesma que em Março já tinha levado a Polícia Judiciária a fazer buscas na Procuradoria-Geral da República (PGR).

Em causa está também um procurador português, Orlando Figueira, que terá recebido de Manuel Vicente, e dos restantes arguidos neste processo, 760 mil euros e outras vantagens, designadamente “colocação profissional numa instituição bancária”, refere a PGR num comunicado enviado esta quinta-feira.

Em troca, diz o Ministério Público, o magistrado “proferiu em dois inquéritos despachos que favoreceram o [então] presidente da empresa angolana”. O procurador, que está em licença sem vencimento desde 2012, arquivou os dois processos em que se investigavam crimes de branqueamento de capitais. Depois de ter estado inicialmente em prisão preventiva na cadeia de Évora, o procurador está agora em prisão domiciliária e o Departamento Central de Investigação e Acção Penal, onde trabalhou, pediu ao juiz de instrução criminal que assim se mantenha.

A acusação será entretanto comunicada a Manuel Vicente, presidente da Sonangol à data dos factos, “através de carta-rogatória dirigida às autoridades angolanas”. 

Em comunicado enviado à imprensa, o advogado do vice-presidente de Angola, Rui Patrício, afirmou que o processo não está válido pois Vicente “nunca foi sequer ouvido”, “o que constitui obrigação processual fundamental, cuja violação, bem como a violação de outras regras aplicáveis ao caso, é grave e séria e invalida o processo”. Nem ele, nem Manuel Vicente foram notificados ou informados de “coisa alguma”, acusa Rui Patrício, que nega qualquer relação de Vicente com "os factos do processo".

Até ter sido conhecido, em Março, que era considerado suspeito de corrupção do magistrado português, Manuel Vicente – que conduziu a Sonangol de1999 a 2012 – era apontado como o sucessor de José Eduardo dos Santos. João Lourenço, actual candidato à presidência de Angola na eleições de Agosto, “substitui” Manuel Vicente nesse papel, depois de ter sido escolhido para dirigir o MPLA.

Apartamento de 3,8 milhões de euros

A investigação ao vice-presidente de Angola foi aberta na sequência da compra por Manuel Vicente e pela mulher, em Abril de 2011, de um apartamento de luxo no empreendimento Estoril Sol Residence, em Cascais, que custou mais de 3,8 milhões de euros.

"O Ministério Público, do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, deduziu acusação contra quatro arguidos, no âmbito do inquérito que investigou o recebimento de contrapartidas por parte de um magistrado do Ministério Público (em licença sem vencimento de longa duração desde Setembro de 2012), com a finalidade de favorecer interesses de suspeito, em dois processos", acrescenta a PGR.

Orlando Figueira, “que exerceu funções como magistrado do Ministério Público entre Setembro de 1990 e Setembro de 2012”, está acusado de um crime de corrupção passiva e de outros crimes em co-autoria com os restantes arguidos: branqueamento, violação de segredo de justiça e falsificação de documento. Durante a investigação, foram “arrestados e apreendidos” ao magistrado cerca de 512 mil euros “que se encontravam em contas bancárias portuguesas, em cofres e em contas bancárias sedeadas no Principado de Andorra”.

Os outros dois arguidos acusados neste caso são o advogado Paulo Blanco e Armindo Perpétuo Pires, "o qual tinha a seu cargo a representação em Portugal de Manuel Vicente em todos os assuntos de natureza fiscal, financeira, empresarial e legal". Os crimes de que Vicente é acusado são em co-autoria com estes dois arguidos.

O Ministério Público pretende que Paulo Blanco continue proibido de contactar outros arguidos, acusando-os da prática dos crimes de corrupção activa, branqueamento, falsificação de documento, todos em co-autoria com Vicente e Pires, e de violação de segredo de justiça. Já Armindo Pires está acusado da prática de crime de corrupção activa, branqueamento e falsificação de documento (também em co-autoria com os restantes arguidos). O MP quer que continue também a cumprir as obrigações decorrentes do termo de identidade e residência.

A 27 de Fevereiro de 2016, as buscas do Ministério Público em instalações do próprio Ministério Público (MP) ganharam mediatismo pelo insólito da situação. É na PGR que estão localizados os servidores que suportam a rede do MP e armazenam, entre outras coisas, o correio electrónico dos procuradores. Os investigadores estiveram a analisar e a pesquisar emails e outros registos informáticos.

"Por não terem sido recolhidos indícios suficientes para fundamentar a dedução de despacho de acusação", o MP arquivou "os factos susceptíveis de configurar a prática de crime de branqueamento" pelo Banco Privado Atlântico Europa.

Manuel Vicente, o braço empresarial de José Eduardo dos Santos

 

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