Concluída a evacuação, França proclama o "fim da 'Selva'" de Calais

Cerca de seis mil pessoas foram retiradas do acampamento e levadas para centros de acolhimento. Focos de incêndio anteciparam-se aos bulldozers consumindo tendas e barracas.

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Migrantes observam os incêndios que consumiram tendas e barracas Philippe Huguen/AFP

As autoridades francesas deram por concluída a evacuação do campo de refugiados de Calais, após dois dias e meio de uma operação que decorreu sem violência, mas sob tensão – um ambiente bem ilustrado pelos inúmeros focos de incêndio que durante a manhã pintaram de negro o céu sobre o acampamento.  

“Não há mais ninguém no campo”, anunciou a meio da tarde Fabienne Buccio, a chefe do departamento de Pas-de-Calais, região que abarca a cidade costeira situada junto à entrada do Eurotúnel, que une França ao Reino Unido – destino ambicionado pelos milhares de migrantes que, até segunda-feira, se concentravam no acampamento.

Buccio explicou que o dispositivo montado pelo Governo para recensear e distribuir os migrantes pelas dezenas de centros de acolhimento existentes em todo o país iria ser desmobilizado até ao final do dia, mal os últimos refugiados embarcassem nos autocarros fretados para a operação. O desmantelamento do que ainda resta do enorme acampamento, iniciado na véspera, será acelerado a partir de quinta-feira, com a entrada de maquinaria pesada no local.

“Hoje é verdadeiramente o fim da ‘Selva’”, garantiu a responsável, usando o nome pelo qual ficaram conhecidos os sucessivos campos que desde 2002 foram nascendo à margem de Calais – o que está agora a ser desmantelado chegou a albergar, no início deste ano, cerca de dez mil pessoas (segundo cálculos não oficiais), depois de um Inverno em que as condições de vida no local atingiram mínimos há muito não vistos na Europa ocidental.

As forças antimotim, que nos últimos dias actuaram sobretudo como uma força de dissuasão de protestos, continuavam no local e o Governo francês assegura que, a partir de agora, quem tentar instalar-se nos terrenos vizinhos das estradas de acesso ao Eurotúnel será detido. Mas as organizações humanitárias não acreditam que todos os que viviam no acampamento desistam de viajar para o Reino Unido e, enquanto houver uma possibilidade, muitos vão continuar a tentar. “Queremos ir para Inglaterra e só para Inglaterra”, disse à Reuters Hamid, afegão de 30 anos, que a meio da manhã resistia a ir para a fila do centro onde os migrantes eram registados.

Ainda sem números finais, Buccio disse aos jornalistas que “cerca de seis mil” habitantes da “Selva” foram recenseadas, incluindo perto de 1500 menores e outras pessoas em situação vulnerável que vão ficar num campo provisório em Calais, na expectativa de serem autorizados a viajar para o Reino Unido todos os que ali têm familiares.

Os três dias da operação, em que o Governo francês pôs em jogo o pouco capital político que lhe resta, decorreu sem incidentes, mas a última noite e a manhã ficaram ensombradas por vários fogos que consumiram tendas e barracas. As autoridades atribuíram-nos aos migrantes, num último gesto de desafio. “Quando deixam as barracas preferem atear-lhes fogo do que esperar que a polícia as destrua”, disse ao jornal Le Monde François Guennoc, responsável de uma ONG de apoio aos refugiados. “Pode ser um reflexo inútil, mas para eles é uma questão de dignidade.”

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