Milhares de indianos deixaram zona junto à fronteira com Paquistão

Islamabad continua a rejeitar ter sido alvo de um "ataque cirúrgico" da Índia em Caxermira

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As populações que habitam junto à fronteira com o Paquistão foram retiradas para abrigos NARINDER NANU/AFP

Não é a primeira vez que Jaswant Kaur, um agricultor de 55 anos, tem de deixar a sua casa. Vive no estado de Jammu e Caxemira, próximo da linha que separa a Índia do Paquistão, uma zona onde esporadicamente os ânimos se acendem e as armas disparam. Depois de um ataque que o Exército indiano diz ter lançado contra campos terroristas no território paquistanês, na noite de quarta para quinta-feira, a zona volta a ser um ponto particularmente instável.

Jaswant Kaur e os cerca de dez mil habitantes da região tiveram de retirar-se para abrigos construídos pelas autoridades. “Nunca é agradável deixar a nossa casa, o nosso terreno, o nosso gado e tudo o resto”, comentou o agricultor à AFP. “Viver aqui significa estar sempre no fio da navalha”. De tractor, camião ou moto, famílias inteiras distanciaram-se da fronteira, adianta a agência francesa.

O Paquistão continua a rejeitar categoricamente ter-se tratado de “ataques cirúrgicos”, mas sim de “tiros transfronteiriços lançados pela Índia”, e que foram fatais para dois dos seus soldados. O primeiro-ministro, Nawaz Sharif, também falou numa “agressão evidente e não provocada das forças indianas”. Reconhecer uma incursão de quatro quilómetros no seu território, como fontes militares indianas dizem ter acontecido, significaria ter de responder e talvez escalar o conflito, apontam observadores.

Do lado indiano, levantaram-se muitas vozes para elogiar a firmeza nesta resposta dos militares (e do primeiro-ministro, Narendra Modi) ao ataque de 18 de Setembro cometido por alegados terroristas treinados no Paquistão contra uma base em Caxemira, que matou 19 soldados (na sexta-feira morreu um dos que estavam gravemente feridos, fazendo elevar o número). Para o The Economic Times, marca “o fim da gestão tradicional das nossas relações com o vizinho inimigo e traça uma nova linha vermelha”.

A imprensa paquistanesa referiu que se tratou de uma troca de tiros rotineira, e jornais como o Express Tribune denunciaram a “farsa cirúrgica que explodiu na cara da Índia”. Um artigo de opinião no Dawn denunciava a “histeria de guerra” que tomou conta da Índia, onde “nunca os que querem a paz estiveram tão calados”.

Porquê esta escalada agora? O mesmo artigo do diário paquistanês refere que o tom grave de Nova Deli serve para “consumo interno”. “A Índia sabe que não pode isolar totalmente o Paquistão da cena internacional, porque a sua posição geoestratégica é demasiado importante para que o país seja ignorado pelo mundo. A China e a Rússia apoiam abertamente o Paquistão, e o Irão, aliado indiano, manifestou o seu desejo de fazer parte do Corredor Económico China-Paquistão”, continua o Dawn. Mas com importantes eleições regionais marcadas para o próximo ano, o primeiro-ministro, Narendra Modi, eleito com promessas de firmeza em relação ao arqui-rival, quis mostrar que “a alegada interferência do Paquistão em Caxemira não fica sem resposta. Nesse sentido, Modi tornou-se prisioneiro da sua própria imagem”.

No jornal indiano Hindustan Times assinala-se “uma mudança de paradigma nas relações bilaterais”. A ofensiva indiana envia a mensagem que a Linha de Controlo que divide os dois lados de Caxemira não pode ser porosa, é uma separação de facto, “sublinhando assim que Jammu e Caxemira faz parte integrante da Índia”.

Os incidentes recentes surgem na sequência de um Verão particularmente quente em manifestações pela “libertação” do território, de maioria muçulmana, e que desde a independência dos dois países, em 1947, tem sido reivindicado por ambos os lados – uma disputa que já deu origem a duas guerras.

Entretanto, vários países da região decidiram boicotar uma cimeira que teria lugar em Islamabad, em Novembro. Para além da Índia, o Bangladesh, Afeganistão e Butão informaram da sua “indisponibilidade” para fazer parte do encontro da South Asian Association for Regional Cooperation (SAARC), num duro golpe diplomático para o Paquistão.

 

 

 

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